" – CAMARADAS! QUEM TOCA NESTE LIVRO, TOCA NUM HOMEM".
Esta frase de Walt Whitman (1819-1892) define, mais do que longos ensaios, Leaves of Grass – uma coletânea de 12 poemas na versão original, de 1855, cujo número ascendera aos quase 400 na edição de 1892, publicada dois meses antes da morte do poeta, o qual ao longo de quatro décadas trabalhara obstinadamente na obra, que pode ser considerada sua autobiografia poética.
Hoje unanimemente reconhecido como um dos pontos mais altos da poesia norte-americana e mesmo da poesia de língua inglesa de qualquer tempo e lugar, quando não de toda a poesia ocidental dos últimos dois séculos (não escreveu Harold Bloom, acerca de Whitman, que não lhe fazem sombra sequer o inglês Browning, o italiano Leopardi ou o francês Baudelaire?), Leaves of Grass teve recepção hostil tanto do público quanto principalmente da crítica, que não soube compreender Song of Myself e outros poemas nos quais Whitman, na contramão do que então costumavam poetar os vates norte-americanos seus contemporâneos, celebrava em versos livres e quase sempre herméticos a natureza, o prazer físico, o corpo, os sentidos, mas também, por trás disso tudo, a Noite, o Sono, em última palavra a Morte:
Esta é tua hora, ó Alma, teu voo livre no sem palavras,
Longe dos livros, longe da arte, o dia apagado,
A lição feita.
Emerges inteiramente, silenciosa, contemplando, meditando
Os temas que mais amas,
Noite, sono, morte e as estrelas.
Taxado de imoral, Leaves of Grass fez inclusive com que Whitman fosse demitido de seu emprego público, além de lhe render ofensas pessoais, ameaças de processo e de apreensão: triste destino o dos grandes poetas, que nisso igual aos profetas, dizem coisas, envoltas em beleza, que poucos querem ou estão preparados para ouvir.