Depois de muitos anos vivendo longe de sua terra natal, Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas regressou a cidade de Goiás Velho. Deu-se então uma espécie de reencontro com as suas raízes. A sensibilidade se aguçou, o passado voltou com força, e a velha senhora iniciou a sua busca do tempo perdido, assumindo a plena condição de poeta. Nascia assim Cora Coralina, cujos versos logo iriam conquistar o Brasil. Sem alarde, Cora dedicou parte de sua produção poética à cidade natal. Inédito durante anos, esse material, poesia e prosa, foi reunido na publicação póstuma Villa Boa de Goyaz. Costuma-se dizer que cada terra tem o cantor que merece. Mais do que mérito, é uma questão de afinidade, meio misteriosa, entre a pessoa e o ambiente que a envolve. Afinidade, porém, nem sempre se traduz por reverência. Muitas vezes explode em revolta. Quem não se lembra dos versos maldizentes de Gregório de Matos contra a Bahia seiscentista? Ao contrário do poeta baiano, as relações de Cora Coralina com a sua cidade foram da mais estreita ternura. Com olhos de ver e ouvidos de ouvir, a poeta goiana registra cada aspecto da vida cotidiana da comunidade com frescor e carinho, como se acabasse de descobri-los. Nada escapa à sua atenção e curiosidade, o velho telhado de mais de duzentos anos, o badalar dos sinos, os velhos carnavais, a catedral, a alegria ruidosa dos estudantes, o museu, as ruas e becos cheios de lendas e mistérios. Com prazer, recria velhas cantigas folclóricas, algumas de destinação mágica, como a de Santa Luzia, com "seu cavalinho/comendo capim", que se pronunciava sobre o olho da pessoa momentaneamente enceguecida por um cisco. Villa Boa de Goyaz é poesia, mas também testemunho, um valioso material para quem desejar reconstituir a vida e um pouco dos sonhos dos homens e mulheres que viveram naquele chão perdido no grande Planalto Central do Brasil.