A obra apresenta a linguagem e o modo de viver rural de descendentes de africanos, moradores em bairros remanescentes de quilombos, distantes cerca de 200 km da capital do estado mais rico do Brasil e que conservam, há mais de dois séculos, um modo de ser e de ver o mundo, de organizar suas lutas e continuar insistentemente resistindo às investidas externas contra os seus territórios, conquistados com o sangue de seus ancestrais.
Por meio de suas vozes, em suas narrativas, reproduzem esse modo de viver que pode ser percebido na ênfase ao contarem seus "causus", quando recorrem a expressões que muitas vezes chamam atenção por fugirem do falar cotidiano do brasileiro, quando os personagens tecem suas tramas na mata, nos rios, nas bifurcações das estradas, fazendo-se ora de expectadores, ora repentinamente tornando-se eles próprios os protagonistas do fato narrado.
O trabalho descreve não só a linguagem em uso, como aspectos históricos e socioculturais dessa região rural, mas também, e a partir deles, contribui para o debate sobre duas questões fundamentais: que tipo de português e de dados históricos se ensinam e/ou se deveriam ensinar nas escolas rurais da região? Em que situação de desvantagem encontram-se os falantes de dialetos estigmatizados no processo de ensino/aprendizagem?
Esta segunda edição é acrescida de dois glossários, o que enriquece a versão: um formado de palavras dicionarizadas, cujos significados divergem dos encontrados nos dicionários consultados; o outro de palavras e expressões que não são dicionarizadas, são próprias da região cujos significados exigiram duas outras viagens na época para que os próprios informantes dessem a sua versão. Interessante como eles se divertiam ao saberem que a autora – "uma professora vinda de tão longe" ¬– não sabia dizer o que significava. Chegavam a chamar os vizinhos para contarem o quanto eram sabidos…