Ainda na mais tenra idade, identificávamos e distinguíamos a voz, os passos, os gestos e muito mais daqueles que nos eram próximos. Mais tarde, o olhar de forma atenta permitiu-nos perceber nossas repetições, embora com outra coreografia. Daí Um olhar sobre o nosso olhar.
Por que esse olhar? Por óbvio, entendemos que o nosso olhar revela a verdade que nos parece única. É difícil entendermos que o outro tem uma outra verdade verdadeira sobre nós. É difícil aceitar que existem outras verdades e que ninguém é dono efetivo de coisa alguma, nem da própria vontade − como já foi dito "não faço o que quero e faço o que não quero". Mesmo assim, nada nos impede de sentirmos ter esse poder.
Na busca desse poder sem quê nem pra quê, sobrevém a ideia de exterminar o que contraria, mesmo sabendo que o contrário é a essência da vida. Nessa demanda, bem sabemos o quanto o senso comum privilegia as aparências. Colore e disfarça o que lhe agrada, distorce e maldiz o que o incomoda. Não é isento de hipocrisia, mesmo assim lhe damos crédito e dizemos amém ao que afirma ser fato. Assim, vivemos próximos à marcha da insensatez que se assemelha à ação de um vírus que invade nossa mente, altera nosso comportamento e, a partir de então, contagia outras mentes, o que leva a ideia do absurdo a se esvair.
Desaprendemos o que sabíamos quando crianças − que brincar de mentirinha era de mentirinha mesmo −, em prol de uma das mais complexas necessidades do homem: a resposta afetiva dos demais.