A questão filosófica fundamental do nosso tempo é pensar a ontologia não mais adstrita à modernidade europeia. Seu desdobramento imprescindível é propor um ensino de Filosofias que carregue em seu germe epistemologias que vão além do cânone europeu. Nesse sentido, uma perspectiva pluriversal diz respeito à necessidade de fazer da verve filosófica o campo de batalha teórico, no qual os caracteres de gênero e, sobretudo, de raça venham à tona como tema central. Pretende-se, assim, uma abordagem em filosofia que fale sobre a vida das pessoas e da sociedade brasileira, cujo compromisso incontornável seja o investimento em uma outra realidade, livre das amarras do neoliberalismo e de um de seus principais vetores, o racismo estrutural.
É nesse quadro de disputas e de crítica que a experiência pedagógica de Paulo Renato nos centros socioeducativos do IASES em Cariacica (ES) se insere. Sua _démarche_ orienta-se à proposta antirracista na educação. O autor vale-se, para tanto, do ensino da tradição _Ubuntu_, tal como formulada pelo sul-africano Mogobe Ramose — destituída dos maneirismos do ensino de filosofia eurocêntrico, acostumado à leitura exegética de textos que não dialogam com os problemas do presente.
A potência dessa filosofia, segundo o autor do livro, é sua aposta na ancestralidade e na oralidade, metódicas eficazes para fazer emergir como protagonistas as identidades e a sociabilidade dos socioeducandos. Filosofia, por assim dizer, apta a oferecer alternativas às contradições do capitalismo atual, justamente porque imaginativa o suficiente para pensar pontos de inflexão em que haja um acerto de contas com o passado colonial que assola não somente a tradição filosófica, mas a própria vivência dos socioeducandos.
Fica, então, o convite ao leitor para engajar-se na leitura desse fazer filosófico, com a advertência de que já não será possível posteriormente se refugiar na esterilidade das ontologias comumente difundidas.
Lucas Marques Lessa
Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo