No longo processo em que Wittgenstein se ocupa de algumas de nossas certezas mais banais — "Eu sei qual é o meu nome", "Existem objetos físicos" —, nós o vemos chegar a um espantoso resultado: a expressão linguística dessas certezas inevitavelmente irá nos trair. No exato momento em que julgamos manifestar as verdades mais triviais, nossa linguagem demonstra sua precariedade e simplesmente falha. Mas isso não significa, o filósofo insiste, que deveríamos suspeitar de tais certezas. Significa apenas que nossa confiança deve repousar não na linguagem (em nossa expressão da certeza), mas em nossa ação (no que fazemos ao agir com certeza).
"No princípio era o ato." Neste verso, que Wittgenstein empresta de Goethe, manifesta-se talvez o leitmotiv deste livro. O que ele nos diz é que qualquer tentativa de apontar para os fundamentos de nossas certezas terá que ir além da linguagem. Não na direção de algum tipo de transcendência; tampouco na direção de qualquer esfera que se possa chamar de conceitual. Antes, há um mistério que teremos de resgatar daquele verso do Fausto: até mesmo o que nos parece mais evidente, até mesmo o que nos parece pura e simplesmente lógico, só pode revelar-se em nossa ação. No modo contingente e humanamente instável como agimos.
Que o leitor não se deixe enganar pela simplicidade desse resultado. A partir dele, Wittgenstein oferece respostas profundas a alguns dos mais sérios (e antigos) desafios de céticos e realistas. Ao reavaliar o papel que a certeza desempenha em nossos jogos de linguagem, o grande filósofo reformula, com surpreendente originalidade, uma de suas intuições mais fecundas, que o acompanha desde seus primeiros escritos. Em um embate de dois anos consigo mesmo, registrado em anotações que se estendem até a véspera de sua morte, ele nos leva a ver por um novo ângulo o caráter a um só tempo evidente e indizível de nossas certezas fundamentais.