Mesmo não tendo um "defunto autor", como em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Santa Maria d'Oeste trabalha com muito talento os elementos do grande romance de Machado de Assis, situando-os em uma vivência contemporânea que convida o lei-tor a acompanhar as reflexões de um narrador-personagem que transita entre vários temas, referências e situações vividas por ele. Colocado diante do que chama de "tear da alma", lembra de palestras e palestrantes do Café Filosófico da TV Cultura, de Nietzsche, Comte, Coldplay, Oswaldo Montenegro, quase sempre se dirigindo à Santa Maria, que acolhe suas inquietações. Na verdade, o que o narrador-personagem chama de "escrevinhação" está destinado a desafiar o leitor a percorrer os caminhos de sua consciência. Justamente por serem desafiadores, tais caminhos não são fáceis, pois não se revelam de maneira transparente. O leitor está diante da "escrevinhação" de um homem erudito, cuja eloquência constrói um mosaico de temas e pensamentos que vão dando forma à sua alma nesse tear. Pequenas narrações, reflexões sobre o amor, sobre a homossexualidade, sobre a música brasileira, entre outras coisas, deixam no leitor uma impressão convincente, e, ao mesmo tempo, estimula-o a ir além disso, para explorar algo latente em meio à diversidade apresentada. O alto poder de convencimento desse narrador-personagem dá a impressão de um homem podero-so, senhor de si. Entretanto, o que sua erudição deixa entrever no decorrer da leitura é justamente um homem frágil, que tem em sua eloquência uma mo-rada, uma proteção, uma resistência. Essa fragilidade "requintada" tem a ver com a condição do "homem de letras" contemporâneo que, longe de ocupar um lugar privilegiado, se vê à margem, não só finan-ceiramente, mas também culturalmente. Um olhar humanístico que se choca com o mercado de trabalho, com os preconceitos, com a cultura de massa, e que, como resultado desse choque, também se volta para dentro, de onde deixa transparecer, por trás de sua eloquência, uma auto-ironia catártica – para o narrador-personagem e para os leitores que se identificam com ele.