A partir de um manuscrito com histórias de família, iniciado por Leopoldina, uma ex-escravizada, alfabetizada, nascida em 1852, Sai da gente, estafermo apresenta a saga de mulheres negras desde o século XIX, quando Florianópolis ainda era a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro, até a década de 1980. Desterro/Florianópolis é o cenário. Os personagens têm as vidas impactadas pela forma como se organizava a sociedade em cada época. No romance, estão presentes alguns dos importantes acontecimentos da história de Desterro/Florianópolis cidade ao longo de quase 200 anos. Um dos méritos desse romance é o de mostrar que Florianópolis teve, e tem, sim, expressiva população negra, submetida à escravidão e a toda a sorte de exclusões e preconceitos raciais. As personagens femininas – eixo condutor do romance – sabiam que dentre as poucas possibilidades de negros conseguirem mobilidade social e escaparem dos trabalhos mais rudimentares e subalternos, estava o conhecimento. O estímulo ao estudo e à leitura permeia a vida dessas notáveis mulheres. O romance traz à tona a presença de intelectuais negros na vida cultural da cidade. Homens e mulheres muitas vezes esquecidos pela historiografia. O resgate desses personagens, propicia ao leitor conhecer a importância da contribuição negra e, junto, a existência do racismo, mesmo dentro das chamadas esferas cultas da sociedade. Sobretudo, é um relato agudo e sensível de resistência e luta, com o grande mérito de não ceder ao panfletarismo e às simplificações. Narra as crueldades do sistema escravista. Entretanto, nele não há negros santificados contra brancos perversos. Os personagens do livro são pessoas comuns, com qualidades e defeitos, que traçam suas tramas para resistir e sobreviver num mundo adverso. Embora tema candente, repleto de situações dolorosas e enternecedoras, a abordagem é leve, propiciando leitura agradável, daquelas que se tem dificuldade para abandonar o livro. Importante destacar que a expressão Sai da frente, estafermo era usada, até meados do século XX, quando se queria mandar alguém sair do caminho, não atrapalhar, não ser ou criar obstáculos. As protagonistas do livro se utilizam da frase em momentos que precisam superar e dar a volta por cima depois de tombos pela vida. Estamos diante de um bom romance baseado em história verdadeira, com tema atual.