Por que a romaria de carro de bois, uma prática religiosa enraizada nos valores rurais, continua viva na contemporaneidade? O que essa prática religiosa diz do sujeito urbano? A romaria de carro de bois é a manifestação de uma profunda saudade da natureza, saudade de pisar na terra, de conviver diariamente com os animais, de ter uma família unida e sempre por perto, é uma vontade de estar na companhia de amigos verdadeiros, um desejo íntimo de experienciar o "círculo aconchegante" descrito por Bauman (2003), é um desejo de vivenciar a comunidade rural idealizada, do passado. Toda essa carga de subjetividade faz do encontro, da caminhada, das paradas, dos dias da festa, enfim, faz de todo o rito da romaria de carro de bois um momento do ano muito esperado e feliz, de aconchego, de partilha, para grupos de famílias que vivem no espaço urbano, mas que carregam no seu esquema de pensamento e sentimento um ethos rural. Embora os encontros das famílias durante a romaria de carro de bois sejam marcados pela harmonia, as relações intra e extra familiares não são um "mar de rosas", carregam toda a carga de contradição e complexidade que marca as relações humanas. Essas famílias urbanas que se juntam a uma tradição rural de séculos vivem em uma sociedade da desintegração, da frieza, da exacerbação do consumo, do ter em detrimento do ser, e anseiam pela proximidade da natureza e pela segurança dos laços afetivos da comunidade e da família. Não se cansam de todos os anos, nos meses de junho e julho, preparar seus carros e bois, seu corpo e coração, para seguir em romaria pelos rústicos e empoeirados caminhos de Goiás, rumo à Festa de Trindade.