No Iraque dos dias de hoje, em meio a bombas, atentados e uma atmosfera de guerra constante, uma jovem se entrega a uma relação amorosa mais que proibida com Mohammed. Em seu ventre, após a morte de Mohammed no front, a vida e a morte. Conhecedora do peso da tradição, do crime contra a honra que toma forma em seu corpo já marcado por uma tragédia anunciada, a voz que nos conta esta história não espera por perdão.
É Amir, seu irmão mais velho, quem cumprirá o destino inelutável e lavará a honra da família. Hassan, o irmão mais novo, pararia, se pudesse, a mão do assassino. Ali, o moderado, já interiorizou demais as normas para ser capaz de questioná-las. A mãe, cujos filhos foram criados na mesma prisão a ela imposta, a tudo assiste distanciadamente. E, por fim, Layla, a irmã mais nova, aquela por quem se mata, aquela cujo futuro abrigará a memória e o peso da tradição. Num mosaico de vozes que se entremeiam à voz da narradora enlutada, e aos lamentos do ancestral rio Tigre, cujo pranto não basta para lavar o sangue derramado em suas margens, o que se lê é um retrato da sociedade iraquiana, bem como da condição feminina no seio de uma família bastante tradicional.
Tudo se desenha sob o olhar atento de Gilgamesh, figura central da literatura mesopotâmica, cujos versos intervêm em momentos cruciais da tragédia. De uma dureza e crueldade inegáveis, a narrativa também nos enche de poesia e lirismo, marcas indeléveis da escrita potente de Emilienne Malfatto.
Texto de orelha assinado Raquel Camargo