Antes do brilhante Homens elegantes, Samir Machado de Machado tinha lançado ao mundo esta pequena joia que é Quatro soldados. No romance, encontramos o taciturno Antônio Coluna, o adorável mulherengo Andaluz, o ingênuo (mas não por muito tempo) Licurgo e um quarto soldado que – bem, talvez seja de bom-tom não revelar ao desavisado leitor a identidade do sujeito.
Os soldados do título, arremessados de um lado para o outro do país conforme os desígnios do mestre titereiro que é a história, enfrentam criaturas mitológicas mui brasileiras, como a mula sem cabeça, e participam de cenas históricas, como o infelizmente real massacre indígena ocorrido no século XVIII.
Um labirinto misterioso, uma perigosa caverna com uma criatura horripilante, um duelo épico na neve, o brutal crime de um padre decapitado: Quatro soldados pode muito bem ser lido como quatro empolgantes narrativas de aventura, ou como um enlouquecido romance que reinventa nosso passado longínquo. É assim, nessa constante oscilação entre o fantástico e o verídico, que Samir subverte a História com H maiúsculo.
Tudo isso, é claro, só é possível graças ao narrador de intenções misteriosas e memória hesitante. Como um eloquente contador de causos, o narrador se perde, se confunde e, acima de tudo, inventa. É como uma cruza clandestina de Thomas Pynchon com Umberto Eco, que aprendeu a ler com J.K. Rowling e teve a adolescência perpassada pelos filmes de Indiana Jones e pela série de jogos Uncharted.
Se no mundo atual não há mais uma divisão estanque entre arte e entretenimento, os dois romances que formam um harmônico par, Quatro soldados e Homens elegantes, se situam justamente na zona alfandegária dessa fronteira. São, ao mesmo tempo, literatura de peso que o leitor não consegue largar e entretenimento de alta voltagem poética.
ANTÔNIO XERXENESKY