A escrita é utilizada como uma estratégia de organização mental, ao mesmo tempo que demarca etapas evolutivas de seu desenvolvimento. Escrever também representa o produto de uma enorme motivação de abreviar sofrimentos alheios. Lendo seus livros, evidencia-se que compartilhar seu percurso rumo às diversas reconstruções e redescobertas da vida tem sido um caminho por ele encontrado para auxiliar outras pessoas que ainda estejam iniciando suas trajetórias na Saúde Mental, ou mesmo que familiarizadas com seus percalços, ainda não tenham encontrado a perspectiva da superação. Assim, Roque vai se ocupando com as tarefas de "militante mentaleiro", como ele mesmo se denomina e que tanto se orgulha. E, nessa tarefa, vai tecendo uma colcha de retalhos com fragmentos de vivências, poemas, relatos de experiências, registros de participação em eventos, narrativas, sentimentos, memórias do passado, que vão compondo uma síntese do ano de 2020 e, de certa forma, de sua própria vida. Subliminarmente, mostra o papel fundamental da família, através de um casamento rico de trocas afetivas, do tratamento adequado e de atividades que lhe dão sentido à vida (literatura e militância) no resgate de sua saúde e qualidade de vida. Quem diria que participar de uma Bienal do Livro poderia ser remédio? Psicofármacos para domar a neuroquímica, afetos para alegrar e ajudar na estabilidade, escrita e retórica para reativar a cognição e sonhos para resgatar a autoestima! Defensor do SUS e dos movimentos de luta antimanicomiais, assume para si o compromisso de estabelecer uma rede informal, artesanal, cujo papel seja o de conectar seus leitores com as diferentes tecnologias leves em Saúde Mental de um coletivo para o outro. Característica marcante no autor e sua obra é a determinação de não sucumbir frente às adversidades. Da experiência de ter vivido oito internações psiquiátricas trouxe o rigor de cuidar de sua saúde para nunca mais voltar ao confinamento. Da reclusão em grades de ferro depreendeu o apreço pela liberdade. Do necessário distanciamento social imposto pela pandemia transformou isolamento em fonte de criatividade e integração, produzindo mais escritos e ampliando horizontes, através da participação em lives, reuniões e grupos de apoio virtuais de abrangência nacional. Privado de fazer seu trabalho "de formiguinha" na divulgação de sua obra, ganhou as redes sociais virtuais e tem expandido seus contatos e interlocuções. Frente à ameaça de revogação de grande parte da legislação que regula a Saúde Mental nacional, pôs-se a trabalhar intensivamente na articulação e no fortalecimento das mobilizações Brasil afora, que se organizaram para preservar as políticas públicas fortemente ameaçadas de grandes retrocessos. Coerência talvez seja a palavra de ordem! Para quem amargou dias de vida perdidos em internações psiquiátricas no modelo manicomial, deve representar uma afronta ver serem propostas "diretrizes" pretensamente científicas impondo a volta de "hospitais de longa permanência". Para quem luta cotidianamente pelo respeito e reconhecimento de seu protagonismo enquanto cidadão, com seu poder contratual intacto, deve doer na alma o recrudescer de um modelo retrógrado, mas que se diz "novo": considerar pessoas com experiências vividas em sofrimento psíquico voltarem a ser chamadas de "doentes mentais" em documentos oficiais de entidades corporativas que deveriam estar a serviço de defender essas pessoas. A expressão "recovery" (redescoberta, reconquista, superação) parece estar tatuada no íntimo de Roque, como um lema ou meta de vida. Embora ele não utilize essa palavra no livro, intuitivamente sabe da importância da sensação de pertencimento quando relata com orgulho sua inserção em 37 grupos de coletivos virtuais em Saúde Mental.