Já no século XVII, Gregório de Matos gostava de saboreá-la nas casas amigas do Recôncavo Baiano. Duzentos anos depois, Lima Barreto defendia-a de seus detratores, dizendo que não era ela quem fazia mal ao Brasil, mas a burrice. Ao longo dos séculos, teve e tem muitos nomes e apelidos: cachaça, moça-branca, água que passarinho não bebe, aguardente, parati, cana, caninha, branquinha, pinga e muitos outros. "Bebida do povo, áspera, rebelada, insubmissa aos ditames do amável paladar", como salienta Luís da Câmara Cascudo neste delicioso Prelúdio da Cachaça.
Nascida em data incerta, provavelmente no século XV, em Portugal, durante muito tempo a etiqueta proibia seu ingresso em locais mais distintos, ensina mestre Cascudo. Aos poucos, ela foi conquistando todas as classes sociais e até ganhando ingresso na história do Brasil. Era moeda de troca, obrigatória, levada pelos traficantes de escravos para a África. Foi com ela que os rebeldes brindaram a Confederação do Equador, em 1824.
Durante a Guerra do Paraguai, era fartamente consumida pelas tropas brasileiras e, misturada com pólvora, esfregada no corpo. Coisa de macho que, diziam, aumentava a coragem. Cruel, destruidora de lares e de vidas, não encontra simpatia no folclore, condenada quase sempre em quadrinhas como essa: "Homem que bebe cachaça,/ mulher que errou uma vez,/ cachorro que pega bode,/ coitadinho deles três!". Estudando o assunto pelo ângulo folclórico, sociológico, etnográfico, histórico, Cascudo conclui que "o brasileiro é devoto da cachaça, mas não é cachaceiro". Ainda bem. Cabe ressaltar a qualidade gráfica dessa edição, com a mancha bem distribuída na página, tipos grandes, ótimos de se ler, ilustrações a cores em papel cuchê. Uma obra que se lê de um gole, como um copo de boa cachaça.