Quando Cora Coralina estreou, em 1965, com os Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, a crítica não percebeu (só perceberia mais tarde) que ali nascia uma poeta original, de raízes muito profundas na alma popular, com uma sabedoria dosada de ironia, de alguém que muito viveu e sofreu, mas de expressão tão suave, com tamanho frescor que parecia vir de uma jovem. Era e não era verdade, se ponderarmos que a alma não tem idade e os sentimentos não envelhecem. Cronologicamente, a autora era uma respeitável senhora de 75 anos (bela idade para uma estreia poética), vinda do interior de Goiás. O público sentiu de imediato o que os críticos não perceberam: a alta tensão poética daquela poesia, seu poder de comunicabilidade, a simplicidade de expressão, o amor pelo semelhante, a comoção humana que fazia de cada leitor um passante pelos becos cheios de tradições de Goiás. Só mais tarde, com o reconhecimento de grandes figuras da literatura brasileira, como Carlos Drummond de Andrade, alguns críticos começaram a rasgar seda pela poeta. Ainda bem. Preconceitos postos de lado, descobriram nela uma irmã - em certo sentido mais suave, em outro mais áspera - de Gabriela Mistral e Rosalia de Castro. Irmã, sim, mas com uma personalidade muito própria e forte, quase sem influências literárias, mas com alguma coisa de franciscana. A Oração do Milho não parece escrita por Francisco de Assis? Quem, excetuados os corações de pedra, não se comove com esse poema, um dos mais belos já escritos no Brasil? Senhor, nada valho./ Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres./ Meu grão, perdido por acaso,/ nasce e cresce na terra descuidada./ Ponho folhas e haste,e se me ajudardes, Senhor,/ mesmo planta de acaso, solitária,/ dou espigas e devolvo em muitos grãos/ o grão perdido inicial, salvo por milagre,/ que a terra fecundou.