A problemática da situação de indiferença ao infante e sua dimensão narcísica apresenta como ponto de reflexão o modo como certas violências nascem de um ambiente supostamente amoroso e pacífico, em que a violência moral é exercida na relação com o outro sob a capa de bons sentimentos. Uma modalidade de violência da qual não podemos nos defender, pois a dificuldade em detectá-la consiste no fato de não se manifestar unicamente por meio de atos, mas na negligência, no abandono e na indiferença que instauram um sentimento de insignificância e desamparo nos sujeitos que as sofrem. Exercida de maneira silenciosa e encoberta, não se trata de um ato, mas de uma atmosfera, cujos elementos psíquicos implicados nesse exercício atingem o outro em sua necessidade existencial de ser reconhecido e levado em conta, afetando, assim, sua identidade. A suposta gentileza, nesse contexto, impede uma comunicação real, feita de acolhimento, assim como uma efetiva abertura ao confronto e ao conflito. A criança apanhada nessa espiral de violência a ela dirigida tem com frequência pais supostamente devotados e de boa vontade. Na impossibilidade de reconhecer a indiferença como violência, muitas vezes, a criança confunde gentileza com atenção. Tendo como base as contribuições de Nicole Jeammet e Paul Claude Racamier, complementadas por outros autores que se debruçaram sobre o estudo dessa questão, lançamos luz à reflexão sobre alguns dos elementos implicados nessa modalidade de relacionamento a partir da noção de perversão narcísica. A violência do desamor seria para a criança uma experiência de morte que inaugura uma cicatriz narcísica.