Todos conhecem da história de Marco Polo, o viajante veneziano que no século XIII conheceu detalhes, até então ignorados pelos Ocidentais, sobre o Império Mongol e a China da dinastia Yuan. Mesmo nos dias de hoje suas descrições estão entre os mais importantes documentos sobre a vida política e o cotidiano no Oriente. Mas existiria uma contraparte oriental? Ou seja, um viajante que, partindo do Oriente, entrasse em contato com o mundo europeu medieval e o descrevesse para seus conterrâneos? O exemplo mais famoso que temos é o de Raban Bar Sauma. Contemporâneo de Marco Polo (embora não chegasse a conhecê-lo), Sauma foi monge de origem uigure ou mongol turca, nascido próximo a Pequim nas primeiras décadas do século XIII, durante a dinastia Yuan (mongol). Era um cristão de rito oriental – usualmente conhecidos pelos ocidentais como nestorianos –, que se tornou monge aos 20 anos, para infelicidade de sua família, abandonando o que parecia ser uma vida de conforto. Vivendo uma vida ascética, acabou contatado por um jovem, Raban Markos, que decidiu ser seu seguidor. Em determinado momento de sua experiência religiosa, decidiram iniciar uma peregrinação a Jerusalém, onde esperavam receber a remissão de seus pecados. Sua viagem não teve sucesso pois, por conta de conflitos que interrompiam as passagens ao território da Palestina, acabaram ficando em Bagdá. Lá, porém, a vida destes dois viajantes religiosos acabou sendo profundamente alterada: Raban Markos, o mais jovem e pupilo de Raban Sauma, acabou sendo escolhido Patriarca da Igreja do Oriente. Para que tal escolha, porém, fosse efetivada, era necessária a aprovação do Ilcã Arghun. O Ilcanato era uma subdivisão do império mongol (governado pelo Cã – boa parte das aventuras de Sauma e Markos se deu sob o governo de Cublai Cã) que envolvia, geralmente, o Irã, a Turquia e o Azerbaijão, embora tenha eventualmente se estendido ao territórios que hoje corresponderiam ao Iraque, à Síria, à Armênia, ao Paquistão e ao Afeganistão. O Ilcã Arghun era budista, mas tratava de maneira afetuosa os cristãos, e recebeu muito bem os dois viajantes, inclusive confirmando o patriarcado de Raban Markos – que mudou de nome e passou a ser conhecido como Iabalaha (sendo o terceiro Patriarca deste nome). Mas para Sauma este encontro também significou uma mudança importante em sua vida. Desejando estabelecer uma aliança com as potências da Europa Ocidental contra o sultanato mameluco, Arghun Cã designou Raban Bar Sauma como seu embaixador nas cortes ocidentais. Muito provavelmente, o fato de Sauma ser cristão influenciou esta escolha, pois se acreditava que, assim, seria mais facilmente acolhido. O que se demonstrou verdadeiro. Acompanhado de uma grande comitiva, além de uma considerável soma em dinheiro e presentes a serem dados aos governantes ocidentais, Sauma iniciou sua viagem. Dentre os pontos mais notáveis de sua experiência, passou por Bizâncio onde encontrou o Basileu Andrônico II; em Nápoles, conversou com Carlos II; chegou ao reino da França, onde encontrou Felipe IV, o Belo; dirigiu-se à Gasconha, onde se encontrou com o rei Inglês Eduardo I; e, em sua viagem de volta, encontrou o recém eleito papa Nicolau IV – Sauma chegou inclusive a celebrar uma missa, junto ao Papa, em Roma. Ainda que esta narrativa seja, por si só, riquíssima, o texto original siríaco não se restringe ao relato da viagem, mas acompanha o Patriarcado de Raban Markos, agora Iabalaha III. O texto apresenta importantes informações sobre a decadência do cristianismo no oriente nas últimas décadas do século XIII, devido às mudanças políticas e religiosas no Ilcanato, resultado de sangrentos conflitos, particularmente com muçulmanos, e que quase custaram a vida do próprio Iabalaha.