... Torquemada chamou os soldados de Espanha, que tão gentilmente Fernando II de Aragão e Isabel de Castela designou para acompanhá-lo, não que isso fosse necessário, pois todos obedeciam e temia a Santa Inquisição. O braço armado da Igreja no combate a heresia muçulmana e judaica. Desde que o Papa Sixto IV instituíra a Inquisição Espanhola, com o intuito de levar a verdadeira religião a todos os rincões do mundo, afastando de vez a heresia e a ignomínia que se espalha sobre o nome de Deus. Mandou os infantes arrombarem a porta do casebre aos pontapés. E após a porta se abrir com um estrondo, mandou-os se afastar. Desejava entrar primeiro, nunca se sabe que tipos de armadilhas estes infiéis preparam para o espírito de um desavisado. Fez o sinal da cruz e após espargir a água benta por toda a sua volta, com ênfase do lado de dentro, adentrou na pequena sala. Esperou um tempo até os olhos se acostumarem com a penumbra, e então divisou, num canto da casa, os cadáveres insepultos de dois adultos, que jaziam lado a lado, como que num abraço mortal. O estado de decomposição indicava que morreram há alguns dias, provavelmente de febre, ou algum ritual maligno, feito para seu mestre Satã. A simples lembrança do nome do inimigo de Deus o fez tremer e num gesto automático, espargiu mais água benta por todo canto. Antes de sair, tinha que revistar todos os cantos da casa, a procura de algum amuleto; conjuro oculto; um pentagrama ou qualquer indício de invocação demoníaca. Nunca se sabe o que estes hereges podem fazer para colocar todos na danação eterna. Depois de meticulosa revista no andar inferior, resolveu subir para o quarto. Os soldados, que ficaram parados na entrada, olhavam-no com respeitoso temor, baseado na sua posição social e pela austera função que exercia. Torquemada gostava deste temor fundado que as pessoas comuns tinham dele. Sabia que era um de seus pecados e que à noite, sozinho em seu catre, se penitenciaria com o chicote. Mas esta era sua fraqueza, todos os homens tinha fraquezas e os Padres não eram isentos delas. A única diferença era que eles sabiam que elas existiam e as combatiam, através de orações e penitências. Com este pensamento na cabeça, atingiu o último degrau da escada de madeira. Quando olhou para o quarto, assustou-se com o que viu. Em um primeiro momento achou que fosse um íncubo, o olhando assustado de cima da cama. Mas ao ver que segurava um crucifixo em suas mãos, resolveu se aproximar. Afinal os demônios abominam Deus; o seu filho primogênito; a Igreja e tudo o que ela representa. Ao abrir mais a porta do quarto para que a parca luz advinda da porta da entrada penetrasse, reparou que era uma criança por volta dos dez ou onze anos. Estava com uma aparência terrível: Cabelos completamente desgrenhados, seminu e com todos os ossos aparecendo. Torquemada podia contar as costelas da triste figura. O olhar era o de um animal acuado; As mãos, que eram parecidas com as garras de uma ave de rapina, seguravam fortemente o crucifixo. Mostrando-o para Torquemada, como a implorar perdão aos céus... ...Bom, agora vou mandar dar um banho neste menino, e preparar um pouco de sopa para alimentá-lo. Com a cabeça ainda nas nuvens, Torquemada tocou o sinete e uma criada apareceu, após dar as ordens, voltou-se para o interior do aposento. Pegou um cálice e se serviu de xerez previamente aquecido, para espantar os miasmas contidos naquela casa tétrica... Segunda parte Capítulo 1 Corria o ano de mil quatrocentos e oitenta e cinco, Juan agora com vinte cinco anos, aguardava a época de ser ordenado Padre, e findar um ciclo que se iniciara quando seu benfeitor, o Frade Torquemada, encontrara-o sujo e assustado na cabana. Foram quinze anos de estudos e orações, muitas vezes seguidos de castigos físicos. Mas o castigo era bom, limpava a alma e purificava a mente... ...