No fundo, eu sabia que não havia consolação. O problema de repetir à exaustão tais disposições e afetos é que alternamos momentos de felicidade e onipotência, com outros de miserável culpa e remorso sabe-se-lá-de-quê, sendo que os últimos ofuscam progressivamente os primeiros fazendo surgir uma humildade insolente que é peculiar aos bons profissionais marcados pelo tempo. E envelhecemos assim, ouvindo queixas em múltiplas vozes ao som digital estéreo surround e agimos sempre em contraponto com a sensação de ter deixado algo para trás. Dormimos, de fato, cada vez menos. Falamos cada vez menos de nossas coisas e das coisas que vimos e vemos, mas quando resolvemos nos pronunciar, a voz pode soar como a de um instrumento com afinação trocada, scordatura desafinada a princípio, sem sentido até, mas que à escuta atenta costuma parecer extremamente inusual e bela, como são mesmo as coisas do declínio e da finitude, numes do destino com os quais nós, finalmente, poderemos nos reconciliar.