Quando, em 1934, Marcel Granet publicou a primeira edição de ""O pensamento chinês"", os estudiosos logo perceberam que estavam diante de um clássico. O tempo confirmou essa impressão. Este livro ? ""cheio de intuições geniais"" nas palavras de Lévi-Strauss ? permanece até hoje no catálogo das editoras mais importantes do mundo, como a principal obra de referência sobre o tema que estuda.
A China fascina e perturba o Ocidente, ao mostrar a possibilidade de existir outro pensamento, diferente do nosso, dotado de alta capacidade civilizatória. Seus costumes, suas artes, sua escrita e sua sabedoria conquistaram as imensas populações de todo o Extremo Oriente, tornando-se uma referência essencial para quem quiser conhecer de forma mais abrangente a experiência humana. Este foi o desafio a que Marcel Granet dedicou sua vida.
Embora marcadas pela simplicidade, as concepções expostas neste livro são particularmente intrigantes. Sua assimilação plena não é trivial, pois seus fundamentos culturais são diferentes dos nossos. O pensamento chinês não opõe sujeito e objeto, mas estabelece as ligações entre ambos. Tem um sentimento íntimo da unidade do mundo. Recusa-se a distinguir o lógico e o real. Despreza a física da quantidade, prefere construir modelos. Estabelece outras relações entre os números, o espaço e o tempo. Dominados pelas ideias de ordem, totalidade e ritmo ? evocadas pelo Tao, o Yin e o Yang ?, os chineses criaram categorias diferentes daquelas que dirigiram a formação do pensamento ocidental moderno. Para entender o Universo, nunca tentaram formular um conjunto de leis. Valorizaram a sabedoria, não a ciência. Seus sábios não transmitiram corpos de ideias, muitos menos dogmas, mas temas favoráveis à meditação.
A ideia de uma poderosa civilização sem ciência torna-se ainda mais desafiadora quando descobrimos que ela tampouco teve religião, na nossa acepção desse termo. O sentimento do sagrado desempenhou na China importante papel, mas não há deuses a serem venerados. O Universo é uno, e a atitude em relação a ele expressa uma familiaridade tranquila. Não existiu um clero organizado. A religião nunca foi uma função diferenciada da atividade social. O Estado e as leis não têm poder algum que supere a Ordem, ou a Totalidade, categoria suprema.
"Nem Deus nem Lei, mas uma sabedoria independente e totalmente humana"" ? eis a síntese de Marcel Granet sobre o pensamento chinês, na conclusão deste estudo monumental.
César Benjamin
Mestre de uma geração de pensadores, professor de língua e cultura chinesas na Escola de Estudos Superiores de Ciências Sociais da França, autor de volumosa bibliografia, Marcel Granet nos legou este livro clássico, totalmente baseado em fontes primárias estudadas na própria China."