O mito ressuscitou inteiro após 30 anos de uma morte inquieta. Pelo largo espelho da história, Jair Bolsonaro e Collor contemplam-se incrédulos, mas reconhecem-se plenamente nos vácuos simbólicos que ajudaram a preencher com as promessas de redenção e vingança. Seus respectivos corpos, adornados com apelos a virilidade e fantasias eróticas, ou com rasgões de dor, ódio e sofrimento, são desenterrados em praça pública para o delírio de uma massa ansiosa por espetáculo e emoções compensatórias.
Ao atordoado mercado eleitoral, Collor e Bolsonaro ofereceram mapas substitutos da realidade e do desejo promovendo sentimentos de integração e orientação em meio a desencantamento, incertezas e pânico. Projetando angústias na figura sedutora de um herói protetor ou intempestivo, facilitaram identificações e transferências pelo mesmo espelho de Narciso. Por meio dele, modelos de um carisma imagético são construídos no reflexo espetacular da mídia e do marketing para interferirem na arquitetura dos cenários eleitorais, influenciando opiniões e comportamento, instaurando novas formas de sedução.
Em linhas gerais, o objetivo deste livro é perceber como o marketing e a mídia construíram a imagem do "caçador de marajás", uma mitologia política capaz de traduzir e refletir desencantos e esperanças naqueles anos de 1980, marcados por fabulosas reviravoltas. Por meio delas, é possível repensar sobre as imagens de Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Lula e Jair Bolsonaro, sendo que este lhe é mais próximo.
Collor e Jair Bolsonaro contemplam-se e espelham-se enquanto construção mitológica na política. Ambos assumem a figura arquetípica do herói salvador e vingador manipulando as lâminas perigosamente afiadas do medo, da fantasia, da esperança e do ressentimento.
Talvez, contemplando o presente pela ótica espelhante desse passado, reconheçamos melhor os mitos de ontem e de hoje, com a certeza de que a história pode realmente se repetir como farsa e tragédia, ao mesmo tempo.