O sumiço de um simples coelhinho branco – quem diria! – inspira uma das mais instigantes histórias infantojuvenis de Clarice Lispector. Em O mistério do coelho pensante, a escritora discorre sobre profundas questões existenciais, na dose certa para a apreciação dos pequenos leitores. Qual a diferença entre "natureza humana" e "natureza de coelho"? Como a gente sai do terreno da necessidade para o da vontade e da criatividade? É possível um pensamento que seja também um sentimento e uma sensação? Nesta obra, a reflexão se desenvolve de forma leve e divertida. Tudo começa quando o coelho Joãozinho consegue fugir misteriosamente da casinhola deixando a todos – personagens, narradora e leitores – de orelha em pé. Não por acaso, o protagonista tem nome de criança. Joãozinho, na obra, é também símbolo da infância, desta maravilhosa fase de tantas descobertas. De tanto fugir da gaiola quando lhe falta comida, Joãozinho "toma gosto" e decide escapar sempre que possível. Ao ganhar a liberdade e ser feliz, o coelho pensante descobre o amor, adivinha que a Terra é redonda e passa a se interessar por muitas coisas além de cenouras. "Nas suas fugidas também descobriu que há coisas que é bom cheirar mas que não são de se comer. E foi aí que ele descobriu que gostar é quase tão bom como comer."
O livro é perpassado por tiradas sensíveis, irônicas e sempre bem-humoradas. Também as metáforas falam ao sensorial, evocado pela autora. "De pura alegria, seu coração bateu tão depressa como se ele tivesse engolido muitas borboletas." A bela ilustração de Kammal João dá nova vida ao coelho pensante, explorando texturas e formas geométricas como o triângulo, espécie de ícone que delineia o nariz do animalzinho, dos personagens e figura em toda a narrativa. O estilo artesanal dos desenhos sublinha a delicadeza e as múltiplas dimensões desta obra que, mesmo quando fala sobre um corriqueiro acontecimento, faz pensar.