Dramaturgo, contista, ensaísta, novelista e romancista, Arthur Schnitzler soube como poucos sintetizar o que existe de mais autêntico nos meandros do coração. Um escritor atormentado, com obras intimistas, cheias de angústias, desolação e tragédias pessoais. Seus textos exudam a miséria e a fascinação, os brilhos, falsos ou não, da condição humana. Sentimentos dissecados com a frieza e a segurança de seu bisturi metafísico. O médico das termas ― primeiro título da coleção Grandes Obras de Schnitzler ― é mais uma prova de sua habilidade em analisar os instintos, as paixões humanas. Se em Crônica de uma vida de mulher Schnitzler, freqüentemente comparado a Freud, de quem antecipou idéias e de quem recebeu uma carta, em 1906, onde este confessava ser Schnitzler seu duplo criativo, revela a vida exterior e interior de Therese Fabiani, uma jovem austríaca de família decadente, aqui o objeto de sua análise é o doutor Emil Gräsler. Personagem que com sua profissão dá título à novela, o doutor Gräsler é apenas o ponto de partida para avanços mais abrangentes no terreno da psicologia. Seu caráter é apresentado com precisão impressionante: seu egoísmo monstruoso, a indiferença brutal em relação aos sentimentos alheios mais profundos, o medo patológico de tomar uma decisão e a insegurança em relação a si mesmo. O fascínio do abismo, a suma importância do miúdo: tudo aparece. A incerteza paira sobre todas as ações do doutor e suas relações com as quatros mulheres que rondam seu destino. A primeira delas é Friederike, a irmã solteirona, sua governanta e um verdadeiro enigma; a segunda é Sabine, filha de um velho ator aposentado, e representa uma grande chance para o amor na vida de Gräsler; a terceira é Katharina, a doce moça do subúrbio. A quarta é quase um acaso, mas o imprevisto decisivo... Considerado imoral, Schnitzler escandalizou críticos e a eles deu a única resposta que considerava válida, a própria obra: "Se ela perdurar, venceste". E ela persiste.