O homem é um ser dividido. Essencialmente dividido. É o ser dividido. O único ser dividido. Nenhum outro ser aparece na natureza com divisões interiores. Somente o homem. Todos os demais seres são inteiriços, são completos — mesmo na sua inferioridade ontológica.
A planta, o animal são seres completos, realizam integramente a sua função sem nada que os perturbe intimamente. O homem, não. A todo o momento, forças opostas o solicitam, é puxado para diferentes direções. O homem é o ser dividido. Intestinamente dividido. Ontologicamente dividido.
Ao mesmo tempo, é o homem misteriosa unidade. A junção, nele, entre a carne e o espírito, a matéria e a alma, não é uma mera superposição, não é o dualismo de duas realidades apenas justapostas, uma ao lado da outra. Há uma complexa, complicada e inexplicável unidade, interpenetração inextricável de uma realidade na outra.
O espírito do homem está mergulhado numa "condição carnal". Daí a complicada e misteriosa dependência do espírito do homem relativamente às condições físicas do cérebro.
Daí também a complicação entre, no homem, o que é "natural" e o que é "cultural". Haverá certas realidades, certos costumes, certos comportamentos gerais, que alguns pretenderão ser "culturais", devendo, portanto, poder variar de cultura para cultura. Em que medida, porém, muitas dessas realidades "culturais" não serão, em primeiro lugar, a tradução de poderosas realidades eminentemente biológicas, e, portanto, "naturais"?
O homem é um mistério. Alguma coisa nele o diferencia de todo o resto do universo. E o angustia. Tem ele, e é o único ser que a tem, a consciência de sua ontológica efemeridade. Sabe que é passageiro. E sente também que é uma maravilha: sente o gosto do bem, a atração da verdade, a sabedoria, a beleza da vida.