Apresentação Na arrumação de meus papéis (que não são poucos, tanto os papéis quanto a desordem em que eles estão inseridos) deparei-me (confesso isto com a maior naturalidade do mundo, e não discuto o mérito disto) com a extrema necessidade de pensar e de sentir o pensar em parar de sentir. Deparei-me com aquele sentimento suprareal que, às vezes, nos vêem sob forma de idéia e nos martela a alma a ponto de esmiuçar o espírito até que este, sem forças, entrega-se ao ato inspirador e leva o homem a entregar-se também à inadmissível tarefa de arriscar-se. Não se há de negar que o homem, com todas as implicações de inferências de sua vivência absolutamente humana tende, em sua primeira tarefa criativa, a refletir para a obra a humanização de sua vivência, ou seja, procura de todas as maneiras, mesmo que de forma maneirista, levar para a obra o seu reconhecimento humano. Sei que não é hora de discutir estas afirmações; o momento é de compreensão. E muito embora esta compreensão seja menos conclusiva, a assertividade do homem deve levá-lo a aceitar suas próprias motivações, ou, as motivações que o motiva a viver e criar deve leválo a assertividade da vida. Deve levá-lo a associar-se à vida e esta à sua obra. Isto adquire uma capital importância tanto na vida do homem quanto nas descobertas que ele chega (quer de forma intrínseca, quer de forma extrínseca). Este foi o grande mistério que me envolveu no ato criatório de "O homem e o rio". Mas logo vi, que em toda a minha vida, e, do mesmo modo, em toda a minha criação poética, não havia ambivalência alguma entre uma e outra. Tudo era nítido, visível e transparente. Pois, como diz Pessoa: "o poeta superior diz o que efetivamente sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que julga que deve sentir". O próprio Pessoa arremata: "Nada disto tem de ver com a sinceridade". Diante disto, pus-me a traçar os primeiros versos do que agora é "O homem e o rio". Um livro que fala, naturalmente, de homem e de rio. E confesso que ele (o livro) não me forçou a qualquer ambiguidade, a qualquer pano de fundo que me caísse como vestes necessárias. Apenas induziu-me a falar destas duas naturezas como se uma só fossem. E digo isto (por mais estranho que possa parecer) com toda a inteireza de coração. Portanto, toda a minha luta diária pela expressividade poética de meus escritos, pela simbologia das evidências dos objetos descritos, pelo aviltamento instintivo de minha alma, levou-me a pensar e a sentir; só não sei, até agora, em qual classificação de poeta devo inserir-me: se inferior, médio ou superior. Quando imaginamos compor um livro somos, no exato da palavra, os criadores. Detemos o sacro direito sobre a cria. Contudo, quando nos deparamos com algumas páginas já prontas, o livro se insurge, cria vontade própria, tem "pitis","rompantes" e, por fim, liberta-se dos grilhões da cadeia criativa e do próprio criador e passa a andar com as próprias pernas, sem necessidades de direcionamentos ou indicações. E assim vai até que ele (o livro) usando do próprio livre-arbítrio que lhe é peculiar, dita ao criador o momento de parar, de seguir uma outra estrada. E, muito embora isto seja (para o criador) um martírio, para o livro é a mais expressiva forma de libertação. Vale a pena dizer que, o processo criativo de "O homem e o rio" não tem um fecho decisório. Ainda está por ser findo. Desta forma conclui-se que deste livro nascerá um outro (melhor ou infinitamente pior ainda não o sei). O primeiro passo para se compreender "O homem e o rio" é compreender os amarres da vida, é aceitar, necessariamente, todo o infortúnio de se querer, no mínimo, essencial à própria vida.