Prefácio de Eça de Queirós para a segunda edição — 1875
A designação inscrita no frontispício deste livro — Edição Definitiva — necessita uma explicação. O Crime do Padre Amaro foi escrito há quatro ou cinco anos, e desde essa época esteve esquecido entre os meus papéis — como um esboço informe e pouco aproveitável. Por circunstâncias que não são bastante interessantes para serem impressas — este esboço de romance, em que a ação, os caracteres e o estilo eram uma improvisação desleixada, foi publicado em 1875 nos primeiros fascículos da Revista Ocidental, sem alterações, sem correções, conservando toda a sua feição de esboço, e de um improviso. Hoje O Crime do Padre Amaro aparece em volume — refundido e transformado. Deitou-se parte da velha casa abaixo para erguer a casa nova. Muitos capítulos foram reconstruídos linha por linha; capítulos novos acrescentados; a ação modificada e desenvolvida; os caracteres mais estudados, e completados; toda a obra enfim mais trabalhada.
Assim, O Crime do Padre Amaro da Revista Ocidental era um rascunho, a edição provisória; o que hoje se publica é a obra acabada, a edição definitiva.Este trabalho novo conserva todavia — naturalmente — no estilo, no desenho dos personagens, em certos traços da ação e do diálogo, muitos dos defeitos do trabalho antigo: conserva vestígios consideráveis de certas preocupações de Escola e de Partido, — lamentáveis sob o ponto de vista da pura Arte — que tiveram outrora uma influência poderosa no plano original do livro. Mas como estes defeitos provêm da concepção mesma da obra, e do seu desenvolvimento lógico — não podiam ser eliminados, sem que o romance fosse totalmente refeito na ideia e na forma. Todo o mundo compreenderá que — correções, emendas, entrelinhas, folhas intercaladas não bastam para alterar absolutamente a concepção primitiva de um livro, e a sua primitiva execução.
Akenside Tewace — 5 de Julho de 1875 — Eça de Queirós