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<p>Haicai, haikai, haiku: a veneração pelos pequenos e inesgotáveis poemas da tradição japonesa — três versos que captam a beleza fugaz da vida, com imenso poder de sugestão e de reinvenção do nosso olhar — atravessa os séculos e as culturas desde que um poeta chamado Matsuo Bashô (1644-1694), um monge sem mosteiro e samurai sem espada, cruzou o Japão com seu pincel e, por onde passou, soube demonstrar que tudo que existe à nossa volta é extraordinário: o salto de uma rã, um melão na lama, a lágrima do peixe.</p>
<p>Nas páginas do ensaio <em>O clarão das frestas</em>, o poeta, ensaísta e editor Felipe Moreno sai à rua para caçar haicais (“sutilíssimo espanto diante de todo e qualquer fenômeno — com preferência aos diminutos e corriqueiros”) e encontra um mundo em que, soterrada pela brutalidade de uma forma de vida que espalha destruição, a poesia vibra nas coisas mais banais e ensina a ver tudo ao nosso redor com uma nova sensibilidade.</p>
<p>Diante de seu olhar agudo, as conexões mais inusitadas surgem. É assim que ele percebe a natureza resistindo: “Frio, já é noite. Ando e ninguém me vê. Calçada saliente: adoro quando as raízes de velhas árvores levantam o asfalto”. Até mesmo ao comer uma singela paçoca a vida pode surpreender: “Nenhum devaneio encantado ou assombro metafísico pode me arrancar do momento em que saboreio uma paçoca. Quando o perfeito casamento entre o amendoim torrado, o açúcar e a pitada de sal toca o paladar, toda verborragia mental é ceifada pela raiz. Aqui, eu e a paçoca somos um”.</p>
<p>Enquanto caminha ou pedala, Felipe Moreno consegue fazer sua trilha se encontrar com a dos grandes haicaístas, sempre conscientes de que, ao desejarmos transformar a vida em poesia, dois caminhos se misturam diante de nós: aquilo que vivemos quer se tornar poema, mas também o que sonhamos quer se concretizar na vida.</p>
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