Há cerca de dez anos o autor do presente estudo ganhava de presente a coleção das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Imediatamente se interessou por um artigo intitulado O Caso Schreber . Após lê-lo de um só golpe, veio a sua mente a lembrança dos estudos de adolescência de O Alienista , de Machado de Assis. Recordou-se da motivação de Simão Bacamarte ao abrir a Casa Verde de Itaguaí e os paralelos foram se estabelecendo: seria Bacamarte o Dr. Flechsig? O prestígio de Flechsig na Alemanha já havia ganho o mundo, enquanto o do Dr. Simão se restringia a Itaguaí. Também as datas não batiam: o conto machadiano era de 1882, enquanto a vida de Schreber estava tomando seus contornos irregulares. Mas havia alguns pontos em comum: a quem deseja servir Simão Bacamarte ao edificar a "Casa Verde" em Itaguaí? Aparentemente ele deseja servir à ciência. Porém, por trás dos atos aparentemente bons, surpreende-se a intenção verdadeira de Bacamarte: atingir a glória e ser a pessoa mais importante de Itaguaí. Era a forma de Machado desmascarar a hipocrisia. E Flechsig? Sendo neurofisiologista e neurocirurgião, o que pretenderia, uma vez que não era psiquiatra? Sua finalidade talvez esteja contida na carta aberta de Schreber, dirigida a Flechsig: "não seria necessário, portanto, lançar nenhuma suspeita sobre sua pessoa, e talvez restasse apenas a branda recriminação de que o senhor, como muitos médicos, não pôde resistir completamente à tentação de usar um paciente sob seus cuidados como um objeto de experimentos científicos distintos da verdadeira finalidade do tratamento, quando casualmente surgiram questões do mais alto interesse científico". (De A Alemanha de Schreber , p. 52) Dessa maneira, Bacamarte exibe a força de explicação rigorosa de seu objeto, no caso a Loucura e, de outro, o direito que se arroga a verdade a respeito da Loucura e do Louco e de agir sobre ele com plenos e legítimos direitos. Em resumo, com íntimos pontos de contato com o Caso Schreber, o Prof. Dr. do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, Normando Celso Fernandes, denuncia o vínculo entre ciência e poder, bem como a usurpação, pelo homem de ciência, do direito que cada um tem de dizer a própria verdade. Finalmente, temos a grande ironia: parece haver mais loucura na pretensão de estabelecer com nitidez a linha divisória entre razão e a loucura do que em perder-se entre seus supostos limites.