PREFÁCIO Este livro de Evan do Carmo, o Carcereiro e o Prisioneiro é um romance moderno, uma ficção escrita com esmero, lucidez e coerência, levando em conta a necessidade contemporânea que a sociedade organizada e consciente exige de um escritor, que não o isenta de dizer o que precisa ser dito, e nada melhor do que usar sua arte para expor injustiças e denunciar possíveis abusos de autoridades contemporâneas. Ao criar esta trama totalmente fruto de sua inventividade, usando ressonâncias da realidade que o país ora atravessa, ele nos prende do início ao fim, com diálogos bem construídos sem exagerar na dose, ao desconstruir alguns pilares do real para erigir sua caverna ficcional. A cela, onde acontece quase toda história nos remete a tantas outras realidades vividas por homens especiais em todo o mundo. A prisão, que embora seja real em seu universo criativo, também nos faz pensar em outras formas de privação da liberdade, sobretudo a liberdade de expressão. Quando faz uso do seu conhecimento sobre o mundo e sobre a cultura universal, ele dá grande contribuição à cultura nacional, indicando autores consagrados, e sugerindo outras leituras relevantes. Se por vezes o leitor pensar que está lendo o jornal ou vendo o noticiário da TV, isso é sinal de que o autor é bem informado e faz uso perfeito do seu ofício de jornalista para que isso ocorra naturalmente. Pode parecer que ficção e realidade se confundam, em algum momento, mas ele faz isso de forma consciente. Sobre o desfecho da trama, ele usa a força e a beleza do ineditismo, do inesperado, fugindo do clichê, surpreendendo o leitor que já tinha confortavelmente desenhado um ideal final para sua história. Envolver o leitor dessa maneira, às vezes usando artifício de escrita muito tradicional e simples, só é possível para um escritor maduro pelo tempo, pelo exercício repetido, do seu experimentar diário de um verdadeiro escriba. Emil de Castro O carcereiro saiu e o prisioneiro voltou aos seus pensamentos. "O que este homem quer comigo? Por que insiste em me animar, o que tem a ganhar com isso?" O dia ia findando, bastava dormir e logo chegaria outro dia. Mas como deve ser o sono de quem está preso, ainda mais quando não se acha culpado? O prisioneiro senta na cama, e olha a capa do livro, ele sabe todo conteúdo da obra, relembra pontos altos do romance, sobretudo a angústia do protagonista na prisão, e pensa: "Agora entendo o que ele passou." Fecha o livro e pega a marmita com o seu jantar já frio. Come algumas colheradas, e joga a marmita na parede. Sua irritação demonstra que seu nível de estresse já estava chegando no limite, e isso para ele que era um homem racional ao extremo, denotava quão fragilizado se encontrava. Na verdade, ter ele ganhado o livro do carcereiro, parecia, a princípio algo bom, contudo a atmosfera do mundo ficcional de Dostoiévski não seria, no momento o que ele precisava. Não sabemos, mas é provável que ele evite sua leitura, pelo menos por enquanto. Durante a noite teve pesadelos outra vez, com o carcereiro lhe torturando. Seria esta tortura algo real, ou apenas psicológica? Afinal seu carcereiro lhe parecia bom demais para ser real. Talvez já se registrara em sua mente a sutil ironia do seu novo amigo. Mas o fato dele repetir que ele não devia ficar argumentando sua inocência, no fundo queria dizer alguma coisa. Era certo que o carcereiro não o considerava um homem perigoso, também não sabia da sua real situação, dos detalhes de sua condenação. Mas durante a noite, em seus pesadelos, ele tinha outra noção da bondade imprevista do carcereiro. Quando acordava agitado com as chicotadas do seu algoz imaginário, ele se punha a pensar, que a qualquer hora se revelaria a conduta secreta do carcereiro gentil. À noite, depois da meia noite, o carcereiro bate à porta, e entra, e encontra o prisioneiro entre a sonolência e o pesadelo.