"Na ausência de estatísticas públicas sobre as características dos matrimônios no Béarn dos anos 1960, Bourdieu produz suas próprias estatísticas e, por meio delas, quadros e tabelas que evidenciam as mutações notadas em suas observações in loco e em dezenas de entrevistas. Por meio do estudo metódico de cem casamentos ocorridos entre 1949 e 1960, com base nos dados disponíveis em arquivos de cartórios locais, ele investiga as probabilidades de camponeses se casarem com as moças de origem rural e urbana, revelando as causas sociais do misterioso celibato dos homens do campo de sua região natal. A partir da análise exaustiva desse caso particular, o autor fornece valiosas pistas para se pensar as atuais modificações morfológicas nos casamentos, especialmente aquelas afetadas pelo aumento progressivo da educação feminina, crescente ao longo de todo o século XX em quase todas as regiões do mundo. Graziela Perosa – Professora livre-docente da Universidade de São Paulo (Usp) e autora de Escola e Destinos Femininos: São Paulo, 1950-1960
"O Baile dos Celibatários desvenda o enigma dos homens condenados a permanecerem solteiros por um acaso do destino: serem os primogênitos nas famílias de origem. Tivessem sido caçulas ou nascidos como mulheres, outros seriam os arcos de possibilidade no domínio do casamento. Mas não na sociedade rural francesa fraturada pela tensão entre a cidade e o campo, que levou ao rebaixamento dos primogênitos no mercado matrimonial. Os três ensaios que integram este livro dão a ver as injunções que conduzem à experiência sofrida dos relegados à ilegitimidade e à miséria social. A análise arrebatadora de Pierre Bourdieu põe por terra a pecha de reducionismo sociológico ao mostrar a derrocada simbólica daqueles que, sabendo-se "incasáveis", frequentam os bailes à espera de um golpe de sorte que não virá. Os jovens vão aos bailes para dançar e namorar. Os casados não participam deles. Na faixa dos 30 anos e já considerados velhos, encontram-se também aqueles que não dançarão, a não ser por um gesto de condescendência de alguma jovem. Solteiros porque primogênitos, eles dissimulam o constrangimento agrupando-se à parte e trocando piadas. Quando os bailes terminam, retornam sozinhos para a casa e para a vida do trabalho. Herdeiros da terra, mas deserdados dos principais signos da masculinidade: o casamento e a filiação. Nesse universo marcado pela adesão ferrenha aos direitos e deveres da primogenitura, o baile é mais que ocasião festiva para uns e reiteração da solidão mesclada à vergonha para outros. É, antes disso, a condensação de um fato social total, apreendido com rigor reflexivo, pesquisa alentada e imaginação sociológica. Neste Tristes Trópicos às avessas, Bourdieu, ao contrário de Lévi-Strauss, que saiu da França para tornar-se etnólogo no Brasil, experimenta a potência da etnologia em sua terra natal. Publicado em 2002, ano de sua morte, o livro chega finalmente ao Brasil graças à tradução empenhada da socióloga Carolina Pulici. Um duplo feito: editorial e intelectual – assegurado pela objetivação caleidoscópica e sem travas do mundo social que Bourdieu conheceu por dentro." Heloisa Pontes – Professora titular do Departamento de Antropologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autora, entre outros livros, de Destinos Mistos e Intérpretes da Metrópole