ATENÇÃO AO INESPERADO: O PODER DA SORTE E DA SERENDIPIDADE Ao iniciar a leitura deste livro, convido você a desafiar uma das crenças mais enraizadas sobre o conhecimento humano: a ideia de que todas as grandes descobertas e invenções surgem exclusivamente da racionalidade meticulosa e do planejamento preciso. Embora o método científico e a lógica sejam essenciais para o progresso, há outro fator igualmente fundamental, muitas vezes negligenciado: a serendipidade. A serendipidade é mais do que um acaso feliz; é a arte de transformar o inesperado em uma oportunidade, de enxergar além do erro aparente e descobrir algo novo e revolucionário. A história da ciência, da tecnologia e da inovação está repleta de momentos em que o acaso se aliou à observação atenta, à criatividade e à persistência, gerando avanços extraordinários. No entanto, essas histórias não são apenas curiosidades ou coincidências isoladas. Elas seguem padrões e princípios que podem ser compreendidos, incentivados e, até certo ponto, cultivados. É por isso que este livro apresenta uma sequência aparentemente repetitiva de exemplos de serendipidade. Essa estratégia não é um artifício narrativo, mas uma construção intencional para evidenciar um princípio fundamental: a serendipidade não é um evento esporádico ou uma sorte inexplicável, mas um fenômeno recorrente e essencial no avanço humano. A certa altura da minha juventude, quando iniciou o meu interesse maior para com as possibilidades do que com as impossibilidades, deparei-me com a seguinte pergunta: "Por que algumas pessoas parecem estar sempre no lugar certo, enquanto outras enfrentam obstáculos atrás de obstáculos?". A cada história ouvida, brotava em mim uma sensação de fascínio — quase uma inveja curiosa — pelas vezes em que alguém "topava" com um encontro agressivo que mudava tudo. Desde então, tenho perseguido essa interrogação com olhos cada vez mais atentos. Foi pesquisando sobre atitudes, comportamentos, pequenas coincidências e, sim, também um quê de "mistério" que cruzei o caminho de estudos e reflexões sobre a chamada "sorte". Descobri, por exemplo, as investigações de Richard Wiseman sobre como certas certezas e posturas diante da vida podem moldar nossa propensão a perceber e aproveitar oportunidades. Encontrei, também, exemplos notáveis na história científica: Fleming e sua famosa penicilina, Röntgen e os Raios X, Percy Spencer e o micro-ondas. Descobertas acidentais que provavelmente foram ignoradas se não houvesse, por parte de cada um deles, uma abertura mental e um interesse genuíno no que a maior parte das pessoas chamaria de acaso ou de "coincidência fortuita". E foi essas leituras e vivências que se delinearam, pouco a pouco, o cerne deste livro. Entre relatos inspiradores de triunfos e fracassos, compreendi que a sorte não se resume a um golpe de fortuna arbitrário: ela se revela ao aprender a cultivar a receptividade ao imprevisível, a coragem de explorar novas trilhas e a humanidade de construir laços que nos conectam a outras histórias de vida. Muitas pessoas perguntam-me: "Mas por que você dedica tantas páginas a esse tema"? Porque, no mundo moderno, repleto de planilhas, algoritmos digitais e projeções matemáticas, nós por vezes nos esquecemos de acolher os aspectos intangíveis e metafísicos que nos tornam singularmente humanos. Serendipidade é, em parte, deixar brechas para que a vida se manifeste além das planificações rigorosas, sem deixar de valorizar a razão — afinal, toda inovação nasce de um casamento entre o imprevisto e a capacidade de dar sentido ao que se descortina. Neste livro, compartilho reflexões que emergiram de anos de observação — algumas pessoais, outras embasadas em pesquisas amplas.