O personagem retratado por Botticelli talvez fosse um colecionador. O quadro se intitula «O homem da medalha». Pretendo nesta obra, transmitir aos colecionadores e interessados em Numismática um pouco da verdadeira viagem que as moedas me proporcionaram ao longo de 41 anos. Evidente que o mais importante é o conhecimento em si. As moedas são apenas um meio para este fim. Em tempos em que a cultura transforma-se em toda espécie de lixo, fazemos aqui o trabalho do beija flor na vã tentativa de apagar o incêndio que destrói a floresta do conhecimento humano... Espero que apreciem saber que, antes de mim, houve precursores bastante ilustres. Na Antiguidade, os Ptolomeus, os Selêucidas e Mitrídates Eupátor juntaram muitíssimas moedas e os romanos, conforme descreve Plínio na sua Naturalis Historia, dispunham-se a pagar preços altíssimos por peças falsas da época. O verdadeiro colecionador distingue-se não só pelo seu desejo de deter as moedas, mas também pela sua necessidade de conhecimento que o impulsiona a estudar os objetos que vai reunindo. Durante o período humanístico, os intelectuais voltaram o olhar para a antiguidade com grande interesse, objetivando captar o espírito e a vida de seus gloriosos antepassados. Neste processo, não só analisaram grandes obras literárias e artísticas, como também objetos que falam do passado, como as moedas. Um dos primeiros autênticos e grandes colecionadores foi o poeta Francesco Petrarca (1304-1374), que compreendeu a importância documental da numismática e reuniu moedas da época imperial com intensa paixão. O próprio poeta escreveu: «Acima de tudo, gosto de estudar as antiguidades... Muitas vezes encontrei em Roma vinicultores com uma joia antiga nas mãos ou uma moeda de prata ou de ouro, que descobrira com seu arado. Eu as comprava para tentar reconhecer as efígies dos heróis primitivos». Desta forma, pouco a pouco e com grande empenho, conseguiu reunir uma coleção de moedas romanas extremamente importante. Para Petrarca, as moedas, assim como qualquer outro vestígio do passado, deveriam servir de lição de moral, segundo demonstra um episódio que ele próprio viveu: Durante o inverno de 1354, o imperador Carlos IV estava passando por Mântua e quis conhecer o poeta, já famoso na época. Francesco Petrarca foi ao encontro do imperador e presenteou-o com algumas moedas romanas de ouro e de prata da época imperial, para que ele pudesse conhecer e se igualar aos Césares representados. Carlos IV deve ter gostado muito do obséquio e presenteou o poeta com outra moeda. Infelizmente, nada se sabe sobre as peças da sua coleção (com exceção de um áureo de Augusto ao qual ele se refere numa das cartas Ad Familiares), nem sobre seu paradeiro. Poucos objetos como as moedas nos colocam em contato tão direto com o passado. Quem toca uma moeda se sente vinculado aos homens do passado que também a manipularam e utilizaram, sem distinções entre origem ou classe social, desde o soldado ou artesão até o nobre. O interesse pela numismática e pelo colecionismo aumentou de maneira considerável durante o Renascimento. Naquele período, o amor pela antiguidade clássica, pela beleza, pelo homem e suas mais elevadas expressões da arte e do engenho impulsionaram príncipes, soberanos e pontífices a conhecer e colecionar as belíssimas moedas do passado. Destaquemos, dentre tantos outros: O explorador Ciríaco de Ancona, que expôs sua coleção em Veneza em 1432; Andreolo Giustiniani, detentor de uma boa coleção em Gênova; e Niccolò Niccoli, de Florença, falecido em 1437. Em Nápoles, Alfonso de Aragão (1442-1458) mandou reunir e classificar moedas gregas e romanas que, guardadas em arca de marfim, costumava levar sempre consigo para que pudesse recordar as grandes virtudes das civilizações que o precederam.