As mudanças globalizadoras alteraram a maneira de conceber a cultura. A transformação na concepção de cultura, ocorrida ao longo do século XX, influenciou a constituição das culturas infantis e foi determinante na configuração de novas maneiras de se compreender a realidade, colocando em conflito as gerações mais velhas, socializadas na cultura letrada, e as gerações mais novas, cuja socialização vem sendo influenciada pela produção e difusão dos meios de comunicação audiovisual. A sociedade atual é também uma sociedade da imagem. A contemporaneidade nos coloca diante de um novo tipo de textualidade que emerge de uma nova sensibilidade "cuja experiência não cabe na seqüência linear da palavra impressa" (M. MEAD, 1971). Uma textualidade que se constrói na fragmentação e na dispersão, como numa montagem cinematográfica. Esse foi o contexto que originou meu interesse por investigar as narrativas das crianças. De que forma as crianças constituem seu processo narrativo na contemporaneidade em meio às narrativas imagéticas do cotidiano? Que narrativas produzem? Que recursos utilizam nesse processo de invenção narrativa? O que pensam a respeito das relações entre escrita e imagem? O estudo foi fundamentado teórica e metodologicamente nos Estudos Culturais latino-americanos, que entendem o "cultural" como dimensão que se refere a "diferenças, contrastes e comparações" entre os grupos. Dentro dessa orientação teórica, a perspectiva da hibridação (CANCLINI, 2003) tornou-se relevante, surgindo nas falas das próprias crianças pesquisadas. Em coerência com a orientação teórico-metodológica, os sujeitos da pesquisa – crianças na faixa etária dos 7 aos 11 anos – foram encarados como produtores de cultura em atividades de oficina e entrevista.
Os "achados" da pesquisa apontam para a complexidade do campo das narrativas na contemporaneidade, mostram a frequente relação das crianças com a imagem e colocam-nos defronte aos desafios mais urgentes que nós, educadores, precisamos encarar na atualidade. Desafio de entender que hoje aprender a ler inclui, também, ler a mídia, a literatura das estéticas audiovisuais. Esse é também um papel fundamental da escola, que pode inserir, dentro de si, novos e ativos modos de relação com o mundo da imagem, sem deixar de trabalhar com o mundo da escrita. Na contemporaneidade, não é possível exercer a própria cidadania e os direitos individuais e coletivos face às imagens dos meios de comunicação sem ter consciência de como a comunicação se processa. Esse é um desafio que se impõe a nós para que as crianças possam ser capazes de construir narrativas ancoradas tanto na escrita como nas novas linguagens da imagem.