A simplicidade, a qualidade mais distinta na poesia de Cora Coralina, está mais presente do que nunca em "Meu livro de cordel". O título é significativo, homenagem da autora "a todas as estórias e poesias de Cordel", e atestado de sua afinidade com "os anônimos menestréis nordestinos, povo da minha casta, meus irmãos do nordeste rude". Essa simplicidade anda sempre de mãos dadas com um aguçadíssimo espírito de fraternidade e uma sensibilidade aberta à vida e às novidades do mundo. Assim, a poeta tanto estende a mão a todos os perseguidos (no caso, os judeus), num gesto de solidariedade, como presta seu tributo de admiração a Pablo Neruda, poeta descoberto na velhice e que a deixou deslumbrada. Vários poemas do livro são autobiográficos. Como todo artista, Cora Coralina não cessa de se olhar no espelho, de se indagar, em busca do mistério de si mesma que, no fim de tudo, é o próprio mistério da vida. A segunda parte do livro é toda confessional. "Cora Coralina, Quem é Você?", indaga a poeta no título de um dos poemas. E responde: "Sou mulher como outra qualquer./ Venho do século passado/ e trago todas as idades". Mulher como as outras, mas de destino áspero, com o qual lutou de maneira incansável, como conta em "A Procura", especie de sumula de sua vida: "Andei pelos caminhos da Vida./ Caminhei pelas ruas do Destino -/ procurando meu signo./ Bati na porta da Fortuna,/ mandou dizer que não estava./ Bati na porta da Fama,/ falou que não podia atender./ Procurei a casa da Felicidade,/ a vizinha da frente me informou/ que ela tinha se mudado/ sem deixar novo endereço./ Procurei a morada da Fortaleza./ Ela me fez entrar: deu-me veste nova,/ perfumou-me os cabelos,/ fez-me beber de seu vinho./ Acertei o meu caminho". Acertou o caminho, sobretudo, quando essa fortaleza começou a se esparramar em poesia.