Nunca tive a menor dúvida de que o traduzir é uma atividade infindável, desde o início dos tempos humanos, e de que toda, toda, toda tradução sempre tem um elemento de acaso, uma margem de arbitrariedade que nenhum praticante do ofício deixaria de reconhecer.
Traduzimos, e isso sempre pensando, refletindo, escolhendo, desistindo, decidindo outra coisa e que, afinal, poderia ainda ser uma terceira, uma quarta, uma centésima coisa diferente. Isso, cada um de nós, individualmente, faz, e em cada texto. Imagine-se então a quantidade de obras ao longo dos milênios, a quantidade de gente traduzindo ao longo dos milênios — e nunca se chegando, nunca podendo nem pretendendo (e, na consciência desse drama, muitas vezes nem querendo) se chegar a nada definitivo. Vertiginoso.
É preciso coragem, habilidade, conhecimento para refletir sobre essas fossas profundas da precariedade e da transitoriedade do traduzir. E quando falo "conhecimento", refiro-me a conhecimento de causa, conhecimento prático, experiência concreta. Pois afinal, como dizem, "falar é fácil, fazer é que são elas". E é o que encontramos em Metáforas da tradução, em doses generosas: coragem, habilidade, conhecimento.
Aqui lembro outra metáfora: o crochê — "eu me sentia... desmanchando o crochê de certos escritores, descobrindo os pontos, os truques prediletos deles", dizia Rachel de Queiroz. E essa imagem pode se aplicar não só a traduções, como também às reflexões sobre essa prática tão multifacetada. Metáforas da tradução é um elaboradíssimo crochê — tecido, destecido e retecido com maestria. Se em algumas passagens as reflexões de Dirce Waltrick do Amarante até intensificam perigosamente a sensação de vertigem, elas resgatam em grande estilo a delícia da aventura, a alegria do fazer e o mérito intrínseco do ofício de traduzir.
Denise Bottmann