Com um texto ao mesmo tempo cheio de filigranas estilísticas e recheado de poesia (às vezes, tanto na forma quanto no conteúdo), Maze Oliver vai traçando, linha após linha, as aventuras e desventuras da personagem que, apesar de uma, se desdobra em duas desde as primeiras linhas do relato. As Memórias de Mariana são as lembranças de Morgana! Já nesse desdobrar onomástico da personagem Mariana/Morgana, um detalhe chama a atenção: a dualidade dos nomes, distintos em sua origem etimológica. Como se numa divisão de uma só criatura, caminhos se bifurcam para seguirem paralelos rumo a um encontro no horizonte... ou no infinito... Além de qualquer estrela, nas imensidões do espaço sideral. "Mariana" é uma junção de "Maria" e "Ana". "Maria" vem do sânscrito e significa "senhora, soberana", "vidente" ou "a pura". "Ana" vem do hebraico "Hannah" e significa "cheia de graça". Dessa forma, depois de juntas, "Mariana" passa a significar "senhora soberana e cheia de graça", "mulher pura e graciosa". Ambas ligadas aos preceitos do cristianismo. "Morgana", por sua vez, tem origem no galês ou no céltico, "Morcant", que era incialmente um nome masculino. "Mor" e "cant" é que se juntam para formar "Morcant". O primeiro tem relação com "mar"; o segundo se refere à expressão "círculo". O "mar" é onda que vai e vem. O "circulo" volta sempre ao ponto de partida. "Morgana" é uma feiticeira! Maze Oliver, a escritora, pela própria essência desse seu labor, sopra o barro do mundo imaterial e mergulha nas profundezas abissais, em busca das suas imagens. É uma transformadora pela própria natureza. Ao materializar abstrações, ela incorpora a figura de Mariana: senhora cheia de graça, divindade que transfigura a realidade e obra o milagre da criação. Da mesma forma que pelas mãos de um Homem em plena maturidade, os peixes e os pães se multiplicaram, as águas do oceano se cristalizaram e se transformaram em caminho para a sua passagem, as palavras da escritora estabelecem pontes imagéticas entre Mariana e o coração dos bons leitores. Depois, transfigurada na essência de Morgana, sob o calor de um deus sol refletido no solo fértil e no ar de pleno brilho, numa substituição da divindade pelos gestos cabalísticos e pelas poções mágicas extraídas dos grãos de pólen soltos ao vento, Maze Oliver, fator principal dessa trindade literária, pega na nossa mão e percorre os labirintos da fantasia e da criação. Quem é uma e quem são as outras? Seria possível alguém estabelecer onde começa uma e termina a outra? Talvez não, porque isso seria quebrar o ritmo das tardes que se vão, inexoravelmente, no fim de cada dia. Seria encharcar de chuva alguma solidão que anda por aí sem nome, lenço ou documento. Seria quebrar o vínculo que emerge de dentro da noite escura. O vestido azul, os namorados, as brincadeiras da infância, o anseio pela liberdade vista no voo dos pássaros, a representação da beleza perfeita, as gerações anteriores, a primeira foto de papel onde se sobressaía uma carinha de caboclinha índia, a escola na mata, o casamento... O rolar na cama à espera do perfume barato... O labirinto da lembrança é parte das três vidas! Como eu disse no começo deste texto, "adoro histórias cujo fio condutor da trama são fragmentos de memórias". Ao voltar para o começo, tenho a pretensão de transformá-lo numa roda, a síntese da perfeita geometria. Ou então, essa volta pode significar um olhar para a frente e outro para trás (como o deus Jano), para aquém/além do nosso presente perpétuo. Memórias de Mariana, enfim, tenho plena certeza, vai fisgar todos os leitores que se aventurarem pelas suas páginas. Muitos vão se sentir parte integrante do relato. Não, necessariamente, como os personagens de Maze Oliver. Mas como se pudessem sê-lo.