Diplomata de carreira, João Cabral de Melo Neto (Recife, 1920 - Rio de Janeiro, 1999) serviu na Espanha, Inglaterra, França, Senegal. Situado cronologicamente na geração de 45, ocupa posição isolada no panorama histórico da poesia brasileira, pela sua personalidade ímpar, sua linguagem enxuta, as imagens predominantemente visuais, o desenho dos poemas, que parecem traçados a régua e compasso. A crítica aponta-o como o ponto máximo da poesia brasileira do século XX, ao lado de Carlos Drummond de Andrade. Um autor difícil? Sim e não. Ou melhor, um poeta que exige uma certa iniciação. Como observa Antonio Carlos Secchin no prefácio deste livro, "para o leitor acostumado à lírica de tradição romântica, nada mais inusitado do que a poesia deste autor tão avesso ao confessionalismo, à saturação subjetiva de suas mensagens". A poesia de João Cabral, como sugere o próprio poeta, divide-se em duas águas. Na primeira linha predomina a pesquisa da criação poética, o rigor formal, o repúdio a qualquer nota sentimental ou interferência do irracional, que se desenvolve a partir de O Engenheiro (1945), até A Escola das Facas (1980), incluindo Uma Faca só Lâmina (1955) e Museu de Tudo (1975). A outra grande vertente é a crítica social, ácida, mas sem qualquer nota panfletária ou demagógica, na qual persistem todas as constantes da primeira linha, mas com uma contundência de faca, uma faca só lâmina. O processo, iniciado com O Cão Sem Plumas (1950), se acentua em O Rio (1954) e Morte e Vida Severina (1955), reaparece em Dois Parlamentos (1960) e Agrestes (1984), e como que se depura no Auto do Frade (1984). Convém ainda salientar a presença obsessiva da Espanha, ao longo de toda a sua obra, desde Paisagens com Figuras (1955), Quaderna (1959), Serial (1961) até Crime na Calle Relator (1987) e Sevilha Andando (1990).