Em sua atividade como cronista, Rachel de Queiroz realizou alguns milagres (literários), como o de interessar o leitor (vários tipos de leitores, no tempo e no espaço) durante quase oitenta anos (exatos 77 anos). Deve ter batido alguns recordes. J. Carlos dizia que os seus desenhos davam para cobrir toda a avenida Rio Branco. As crônicas de Rachel devem igualar ou superar esse feito. E como o maravilhoso caricaturista, sem nunca decair de suas qualidades habituais: o tom de conversa, em ritmo quase nordestino, o domínio perfeito da língua, dosando com sabedoria a contribuição popular e o rigor clássico, em frases que "se movem em leves lufadas cômodas, variadas com habilidade magnífica" (Mário de Andrade). Rachel começou a colaborar na imprensa lá pelo ano de 1939, quando se transferiu do Ceará para o Rio de Janeiro. Como declarou, a imprensa foi a sua "trincheira". Dessa trincheira disparou artigos, reportagens, mas sobretudo crônicas - parte das quais estão recolhidas em treze livros -,crônicas que traçam uma espécie de autobiografia espiritual de sua autora, mas também um retrato colorido de oito décadas de vida brasileira: testemunhos sobre fatos históricos, quadros da vida carioca ou nordestina, perfis de figuras conhecidas ou populares interessantes, intimidades de famílias, reflexões sobre a vida humana, o tempo, a morte, o amor, que tudo está contido na vida, e a cronista tinha olhos de ver e amar (ou se indignar) com cada fato da vida. Várias dessas crônicas são, na verdade, contos nos quais Rachel exercitava as suas qualidades de ficcionista. Era como uma mudança temporária de instrumento, a sanfona pela viola, ou vice-versa, sem jamais perder o tom e o ritmo ou deixar de fascinar o leitor. A sua conversa sempre enfeitiçava e continua enfeitiçando. É só começar.