O poeta Ferreira Gullar cultiva a crônica com a naturalidade de quem abre uma janela, estica o pescoço e se debruça para conversar com o leitor, entretê-lo, assustá-lo ou ameaçá-lo. Susto e ameaça andam juntos, por exemplo, quando diz que se amedronta diante das afirmações de que a crônica é um gênero seríssimo. Pura brincadeira, logo desmentida pela sua prosa leve, espontânea, sem-cerimônia, uma espécie de bate-papo descontraído com um amigo, o que não significa fugir da raia, se esquivar a temas sérios ou seriamente fúteis. Um caso sério. O namoro com a crônica começou em 1950, no Maranhão e prosseguiu, de maneira esporádica e quase jocosa, na revista Manchete, no Rio de Janeiro. Gullar, em algumas ocasiões, substituiu Rubem Braga, o sabiá da crônica, assinando os trabalhos com as iniciais R. B. Podia não ser um sabiá, mas já cantava como um pássaro profissional. Mas, foi no Jornal do Brasil, no período de 1957-1962, que deixou de ser um bissexto para se entregar ao exercício periódico do gênero. Exercício magnífico, no qual o cronista aguçava todas as qualidades de observador atento à realidade cotidiana, dos fatos políticos que afetam o povo e o país aos casos banais, seus preferidos, aliás, com os quais, com humor e simpatia, escreve as suas melhores crônicas. A simpatia humana, numa outra perspectiva, está presente também nas crônicas em que aborda assuntos "desagradáveis": as misérias do povo, a exploração econômica, a opressão. O cronista parece então se transfigurar, sem papas na língua, mas sem jamais perder a elegância, solta a voz com a eloquência e a indignação de um profeta bíblico, como se pode constatar em "A Multinacional Corrupção". As Melhores Crônicas Ferreira Gullar abrangem um período de quase cinquenta anos de atividade de um cronista atento à realidade dos humanos e à sua infindável comédia.