Mário de Andrade sonhava "contar todas as histórias de Minas aos brasileiros do Brasil". Não contou. Autran Dourado, mineiro de Patos, contou algumas dessas histórias com lirismo, acidez, ironia, compondo um universo muito peculiar, típico das Gerais, filtrado e depurado através da sensibilidade de um escritor extremamente exigente com o seu texto.A maior parte da obra de Dourado está ambientada em Duas Pontes, cidade mítica, uma espécie de síntese de todas as cidades mineiras, com os seus cochichos, os seus dramas de consciência (como em "Mr. Moore", história de um pastor que acolhe um bandido em sua igreja), os seus momentos de ócio ("Os Mínimos Carapinas do Nada", uma metáfora do ato criativo), os seus segredos, as revelações súbitas de velhos dramas e tragédias, cortantes como uma faca só lâmina, as suas velhas terríveis e mandonas, de áspero coração, abrandado pela ternura de uma velha criada ("Aquela Destelhada"), o conhecimento da morte na infância ("Manuela em Dia de Chuva"), os velhos jogos humanos de poder, sedução, amor e ódio, quase todos transfigurados de experiências pessoais do autor, fatos presenciados ou descobertos na infância e adolescência, revitalizados por um estilo exato, sem rebarbas. Apenas o essencial, modulado pela nota poética ou humorística.Escritor prolífico, autor de mais de trinta livros, entre romances, novelas, ensaios, Autran Dourado se dedica ao conto desde o início de sua carreira, nos dias de aprendizado, ainda na adolescência. Naquela época se conscientizou de alguns dados essenciais ao gênero, que segue até hoje, e aconselha aos principiantes: "O que se deve buscar num conto é o efeito único, ao contrário de um romance, em que os efeitos são múltiplos, e mais, a linguagem deve ser tensa no conto, no romance deve ser distendida". A melhor lição prática é a leitura de seus contos.