Produto das conferências ministradas na Paris de 1978 pelo filósofo italiano Antonio Negri – a convite de outro gigante, o pensador francês Louis Althusser –, este texto já nasceu iconoclasta. Forjado no calor das lutas pós-68, Marx além de Marx lança, de uma forma ousada e coesa, um novo olhar sobre o pensamento marxista: não é apenas livro sobre a revolução, mas sim uma obra revolucionária. A partir da leitura atenta feita por Negri, encontramos um outro Marx, nas possibilidades colocadas nos Grundrisse antes – e muito além – do objetivismo de O Capital. O marxismo, portanto, aparece como ciência da crise e da subversão, potente e incapturável pelas garras do sistema, nem que este seja as forças de restauração do (absurdo) marxismo de Estado. Esta obra continua atualíssima, pois não pretende impor o que seria o "verdadeiro" Marx, ao contrário, seu objetivo é apresentar ao leitor o método de leitura do próprio pensador alemão: não apenas uma ferramenta para entender as transformações inerentes à história. No Brasil atual, no qual a Crise se apresenta como acidente histórico e catástrofe incontornável – que nada mais são, a bem da verdade, que a própria realidade do regime do capital –, Marx além de Marx se torna uma leitura urgente: um projeto de renovação e revolução constantes diante da estática do poder, do pragmatismo implacável ou do radicalismo estéril.
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Em agosto de 1857, Marx começa a redigir os textos que viriam a constituir os Grundrisse. "A atual crise comercial", afirma, "impeliu-me a trabalhar seriamente sobre meus esboços de economia política". Lança-se febrilmente a escrever "todas as noites até as quatro da manhã", antes que ocorra o "dilúvio". Nos textos, a alegria mal se contém; e é ela que permite ao pensador avançar como nunca, ir além de si mesmo, como quer Negri. Decerto Marx já tinha planos e uma soma enorme de materiais para a obra em gestação, "todavia, além do material histórico, a própria crise permite toda uma gama de descobertas". E principalmente aquelas que apontem, desde o núcleo mais duro do trabalho teórico, para os rumos do enfrentamento político. A crise é abertura, intensificação de forças subjetivas, não implica, porém, o automático revolucionamento da sociedade; portanto, não se tratava apenas da busca de uma "alternativa teórica", já que para o autor dos Grundrisse, como sublinha Negri, ou a teoria é função da prática ou não é nada. O que Marx busca, principalmente, trabalhando feito um louco num estado de ânimo singular, é conquistar armas que viabilizem na prática o salto revolucionário: a destruição de toda a ordem social fundada na exploração.
— Homero Santiago (USP)