A escrita de Rafa primeiro conturba os sentidos, para após, se revelar ao leitor como um lego. Embrenhar-se na desafiadora experiência de remontar os sentidos não só pelo que se depreende do texto...ele nos abre janelas pelas quais podemos ultrapassá-lo, é degustar sabores que aguçam a memória do nosso desejo, diferente em cada um, porém, de mesmo DNA. O autor parece saber que fibrilações potencializam os sentidos de seres desejantes e para eles escreve, atribuindo sabor à lascívia, que agridoce tempera deliciosamente o açoite que é se render a um amor vil, daqueles que se carrega vida afora na memória da pele e só o tempo torna comum tal experiência, tal qual o toque do mar nos pés.
Em seu texto sensações tácteis nos banham, e se nos falta um dos sentidos, como a audição, muitas vezes suprimida pela turba, não nos faltam palavras cheias de viço do poeta para encaminhar nosso olhar, nos fazer focar no que é preciso - "lábios, sinais e gestos, onde " ... dançamos, flutuamos marítimos pela casa..." querendo apenas sentir a sarça ardente (de um amor atemporal) esquentar" para " bailarmos atravessando circenses e marciais os cômodos da casa."
Nesse mar de aparente excessos, bom é sentir que a alma ainda pode se embriagar com a mistura de quintais, galinhas, caboclos, danças e devoção ao amor, onde a magia acontece e ali podemos "nos esvaziar de tudo com o auxílio do vento solto", apenas.
É de coisas simples, comuns, em palavras ritmadas, que Rafael cria seu universo cheio de pistas para epifanias presentes no cotidiano - O vento sempre aparece no quintal, dando vida às roupas no varal.
Nele senti notas da poesia de Manoel Barros, se contaminando pela turba de nosso tempo, em que tudo se contrapõe – silêncio/barulho dos bichos, cavalos/selvagem gentil... vida que corre em paralelo e no laço do poeta, assombra, acalma.
Mas a poesia de Rafa não é só de amor e singelezas, por isto mesmo é potente. Sabe de olhar seco, inquisição, velhice, frio, desgraça. Então, necessária a prece em voz de bichos para não esquecer que nunca é tarde se nos embrenharmos na fluidez delicada de antigos códigos para saborizarmos histórias de amor ao amor, à horta, a tudo que plantamos ou nasce do próprio querer e nos fascina.