É CLARO QUE EU TÔ A FIM Tom Correia Uma mesa de bar, chuva fina que escorre lá fora e acordes de rock brazuca são os componentes do cenário ideal dos microcontos de Ediney Santana e Herculano Neto. Parceiros de antigas datas, sem jamais se renderem diante de contextos literários que engessam a criatividade, a dupla reuniu o que havia de mais contundente para inaugurar a Laetitia Digital. Assim, através de minúsculas histórias desfiadas ao longo do livro, somos convidados num primeiro instante a expandir nossa imaginação, fruindo a verve autoral que nos expõe suicidas metafóricos, delírios de um homem que odiava gravatas borboletas, homens-toupeiras, figuras que se refugiam em árvores, indivíduos combalidos que se transformam em peixes nadando em rios assassinados por metais pesados. Na verdade trata-se de um convite-ameaça: leiam-nos ou nos odeiem. Canibais de nós mesmos, como escreveram um dia Cazuza-Frejat-Ezequiel, viramos página após página na ânsia de encontrar outros devaneios. Engano. Nos deparamos com tipos solitários de vidinhas ordinárias, desempregados crônicos e transexuais operadas que perambulam sob matizes urbanos não raro hostis, não raro o que se vê nas ruas todos os dias. As doses literárias que ganhamos do fertilíssimo dueto são inebriantes na medida exata: ao final do volume, nos levantamos trôpegos mas ainda conseguimos a façanha de chegar em casa sem extraviar a alma no caminho. A chave vira, chegamos ao sofá (talvez velho, muito velho) e com a fala enrolada suplicamos aos garçons-escritores: mais uma dose, antes que a terra nos coma. Tom Correia Jornalista