ISABELA ADORMECIDA Isabela perambula sob pálidas estrelas contando passos e luas por ruas, praças, vielas Esmolambada e banguela Magrela e sem sobrenome ela é somente Isabela filha do vício . . . e da fome Quase não come . . . nem fala. . . se fala, fala sozinha (ninguém se presta a escutá-la) caminha, pena . . . e definha Louca de 'pedra' e 'farinha' desnorteada no sul Isabela 'perde a linha' sob o sol e o céu azul Tão arisca quanto um bicho vagueia de pés no chão. . . buscando em latas de lixo restos de paz, sonhos, pão algum beijo enferrujado um crepúsculo lilás um poema inacabado um dom que alguém não quis mais qualquer verdade encardida um túnel com luz no fim. . . um milagre . . . uma saída uma porta, um trampolim um naco de amor, de bolo um lírio , um favo de mel qualquer alívio ou consolo um mapa que a leve ao céu Mas, Isabela não acha mais que esperanças perdidas. . . e segue assim, cabisbaixa pelos becos e avenidas Cheia de medo e feridas Cheia de angústia e torpor ri das luzes coloridas que piscam pra sua dor Vaga só e desvalida entre os 'cidadãos normais' 'gente de bem', 'bem nutrida' 'semelhantes desiguais' Passa desapercebida por todos . . . mas, não por mim que enxergo em sua tez desiludida um não sei quê de anjo (Querubim)? Quisera dar-lhe guarida um fardo menos ruim um' outra chance . . . outra vida mais feliz, menos doída outro começo, outro fim. . . Guardá-la em mim, protegida e nunca mais vê-la assim desacordada, caída. . . 'Isabela adormecida' sobre a grama dum jardim entre flores sem perfume e gente sem coração num mundo em que a piedade é um 'mau costume' e a fria indiferença . . . 'convenção' Os olhos de Isabela não têm lume. . . São negros . . . são da cor da solidão Da cor da sua pele de betume. . . Tão negra . . . quanto o ébano e o carvão Tão negra quanto a negra escuridão que assombra minha alma (tão pequena) ao escutar da boca de um 'cristão' ---- Não sinta compaixão. Não vale a pena. . . Eu guardo em mim os olhos de Isabela. . . e sei que ela guardou os meus também Tomara Deus . . . um dia . . . os olhos dela enxerguem toda a luz . . . que os meus não veem. ................Paulo Miranda Barreto