O êxito alcançado por Kalīla e Dimna, fabulário político de origem sânscrita adaptado ao árabe em meados do século 8 por Ibn Almuqaffac, parece ter incentivado a produção do Livro do tigre e do raposo (Kitāb Annamir wa Aṯṯaclab, séc. 8-9). Na tentativa de superá-lo, seu autor realça o tom islâmico das falas, introduz versos de poetas da tradição árabe e faz largo uso de provérbios, além de produzir um enredo mais linear. A história discute as consequências da transferência de poder e de autoridade, bem como a premissa, aí pressuposta, da lealdade. Alegoria da condição humana, elogio da inteligência e da artimanha, como é quase sempre o caso das fábulas, esta narrativa tece ponderações sobre a dialética das hierarquias e relações, a justeza de sua manutenção, além de se debruçar sobre os seus eventuais desvios, constituídos como ruína e perversidade; também aborda a natureza dos conflitos e rebeldias, inserindo-os na ordem das coisas e, portanto, conferindo-lhes humanidade, pertinência e legitimidade.
Esta edição de Livro do tigre e do raposo integra a segunda temporada do projeto Literatura Livre, fruto da parceria entre o Sesc São Paulo e o Instituto Mojo de Comunicação Intercultural, que promove o acesso gratuito a obras clássicas em domínio público por meio da tradução direta do idioma original.