Neste romance baseado em um crime real e construído de forma circular — ele começa no ponto em que termina —, Estela está presa em uma sala de interrogatório policial para esclarecer a morte de uma menina a seus inquiridores. Anônimos, eles estão separados da protagonista por um vidro opaco, tal como ela era apartada da cozinha por uma porta translúcida no quarto dos fundos da casa onde vivia como empregada doméstica e babá.
Estela saíra ainda jovem do Sul do Chile para a capital, Santiago, em busca de melhores condições, deixando sua mãe no clima gélido do campo para trabalhar na casa de um casal de classe alta. Com uma tensão crescente, a acompanhamos reconstruir os pormenores que tornaram sua vida negligenciada e invisível. Durante sete anos, de segunda a sábado, a protagonista dedicou-se a lavar, passar, cozinhar, limpar e cuidar da filha única dos patrões, que crescera assombrada pela ansiedade e agora está morta. E embora seja o coração do romance, este não é o único óbito que assombra a inocência de Estela. Afinal, já afirmava a superstição de sua mãe: quando morre um, mais dois sempre morrem.
Aos poucos, raiva e exaustão vão rompendo a superfície tensa da realidade e a vida da narradora se torna um pesadelo repetitivo. Seu envolvimento emocional com uma cachorra vira-lata, a presença silenciosa de uma caixa de veneno de rato, de um par de luvas ou de uma arma são algumas das peças deste thriller social. Envolvente e perturbador, não à toa este livro foi vendido para mais de treze países antes mesmo de sua publicação em espanhol. Na melhor tradição do realismo sujo, Alia Trabucco Zerán não deixa de lado suas motivações políticas e põe o dedo na ferida de um estrato da sociedade sem consciência de classe e impune da violência que perpetua todos os dias dentro do próprio lar.