Em Kafka: Por uma literatura menor, Deleuze e Guattari arrancam a arte e a escrita do regime da interpretação e advogam uma concepção completamente nova da literatura. Uma obra não propõe uma ficção imaginária que seria preciso analisar através da personalidade de seu autor, nem um modelo simbólico de transposição cuja estrutura seria preciso descobrir, reencontrando seu sentido eterno. É uma toca, espaço de habitação, de deambulação e de reserva nutritiva, uma máquina política e experimental que transforma realmente nossas experiências e leva o leitor, assim como a literatura, a caminhos novos. Não uma metáfora, passagem do sentido próprio a um sentido figurado, mas uma metamorfose, produção de sentido, cartografia prática através dos signos que, por ser uma experiência nova, devem primeiramente ser construídos. Contra toda hermenêutica do imaginário e do simbólico, a máquina literária menor não reproduz os códigos estabelecidos, mas faz passar algo do real através da escrita para transformar nossas maneiras de ver e de sentir. A literatura não tem nada de um lazer inofensivo, mas é uma máquina de guerra, uma experimentação política.
Anne Sauvagnargues
Professora da Universidade de Paris X