Nas discussões sobre os meios alternativos de resolução de disputas, emerge a justiça restaurativa como um novo conceito jurídico a mobilizar uma diversidade de temas e conhecimentos. Este trabalho analisa criticamente a abordagem restaurativa no contexto multiportas, a partir do paradigma holístico, como método adequado à resolução de conflitos que possuem potencial gerativo decorrente de traumas e sofrimentos, de modo a possibilitar a interrupção da espiral destrutiva e, assim, evitar o surgimento de novas disputas. O estudo é feito a partir de teorias sociológicas e jurídicas sobre os conflitos, incluindo reflexões sobre o dilema competição x colaboração, passando-se para o tratamento da evolução do acesso à justiça. São abordados fundamentos e balizas da justiça restaurativa como antecedentes à análise dos traumas e do papel das narrativas na ressignificação das experiências traumáticas e de como elas podem ser utilizadas nas práticas restaurativas, tomando-se por base sua utilização em alguns procedimentos de justiça de transição. Por fim, avalia-se o potencial da justiça restaurativa para o desenvolvimento do reconhecimento mútuo, traçando-se a ideia de reconhecimento com base na filosofia de Ricoeur, para abordar-se o perdão difícil. Procura-se demonstrar, a partir da hermenêutica crítica, que, mediante o trabalho das memórias traumáticas, é possível alcançar o reconhecimento mútuo entre os envolvidos no conflito e, eventualmente, o perdão, difícil, mas possível.