Partindo do estatuto da literatura e da escrita na obra de Jacques Rancière, este livro discorre sobre a "revolução silenciosa", expressão cunhada pelo filósofo para caracterizar a passagem da tradição das belas-letras à literatura, isto é, a passagem do sistema clássico baseado na mímesis, denominado por ele de "regime representativo", para o "regime estético das artes". Segundo Rancière, há um "deslizamento de sentido" entre o sistema das belas-letras e o conceito de literatura, o que caracteriza não uma continuidade essencial entre um e outro, mas a mudança de um tipo de saber para uma arte. O que leva à derrogação do sistema clássico da ficção poética é a palavra órfã e errante, a qual instaura a perturbação democrática na hierarquia mimética que fundamentava as belas-letras. Tal perturbação é identificada com o surgimento da literatura, a qual não se resume a um modo de fatura artística, mas a um sistema de possibilidades, um modo de vida próprio que suspende os princípios hierárquicos da mímesis clássica à custa de ser uma contradição infindável entre o regime da palavra muda-falante, isto é, a literaridade democrática, e a verdade da palavra encarnada.