Quando Jamir Firmino Pinto surgiu na seção O Poeta Novo (através da qual temos apresentado numerosos jovens poetas que, inéditos ou não, se mostram dispostos a tomar parte ativa no trabalho de renovação tentado nesta página), já tinha um livro publicado: Chão e Mar, em conjunto com Maria Luiza de Castilho, então sua noiva, agora esposa – e que comparte, por seu lado, da mesma obra comum, já tendo, inclusive, um poema publicado na mesma seção. No Jamir de Chão e Mar já se encontravam, ao lado de alguns dos vícios que marcaram a geração poética brasileira sua contemporânea, muitas das qualidades ainda agora distintivas de sua poesia. A partir de sua estréia nesta página, acompanhamos o trabalho de Jamir demarcando seu próprio roteiro: a mesma força e a mesma honestidade de sempre – e com maior vontade de make it new, maior segurança e maiores recursos técnicos. Envaidece-nos o que afirma o próprio poeta: que esta página lhe abriu novos caminhos, fazendo-o evitar outros, sempre tentadores a qualquer de nossos jovens escritores, e.g. a facilidade diluidora, a autocomplacência, o café-society subliterário de mútuos elogios, da publicação amistosa, das glórias logo fabricadas e tão logo esquecidas. Através deste Suplemento, dentro e fora de Poesia-Experiência, os leitores que haviam lido Chão e Mar têm podido, por sua vez, seguir a evolução de Jamir Firmino Pinto. Depois de alguns meses dessa fértil esterilidade, desse silêncio-reflexão-preparação que de quando em quando acomete a maioria dos genuínos poetas, aqui o temos de volta, em nova fase que é apenas o prosseguimento dos vetores de força e de verdade constantes em sua poesia – a qual, de certo modo, é também a sequência lógica da linguagem poética latina, portuguesa e brasileira. Mantendo viva, na grande cidade, a experiência de anos e anos como lavrador do interior de Minas, Jamir contribui, mais que qualquer outro, desde Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, para a formulação de uma verdadeira poesia participante no Brasil. Nele temos de volta, mais natural e mais orgânica, a poesia geórgica da chamada escola mineira. Temos, como raramente acontece na história da poesia brasileira, um poeta capaz de recriar, poeticamente, um vocabulário regional e, particularmente, rural. E temos, sobretudo, uma poesia que cresce em torno de si mesma, de seus próprios núcleos, como organismo vivo, sem qualquer distinção de fundo e forma, de tema e execução, evidente verdade poética que não admite dúvidas sobre a condição de quem a diz, criando-a. Mormente em seus últimos poemas (que apresentamos em seguida a amostras de suas fases anteriores) Jamir cria a partir da palavra – meio de percepção do universo e, ela própria, um universo que se comunica com outros universos – com a palavra e completando-se na palavra; e como que apesar dela, no dizer de Bergson. Uma fluência interior que se concentra no tempo e no espaço, por necessidade humana, um objeto orgânico, humano, através do qual um homem fala a outros homens. Repetimos uma vez mais: melhor uma visão da coisa que mil palavras sobre ela. Aqui estão os poemas de Jamir Firmino Pinto, poemas nos quais esta página se vê confirmada e justificada: Jamir teria de ser, mais cedo ou mais tarde, o poeta que é hoje; grato nos é, entretanto, pensar que contribuímos em certa medida para a mais rápida e mais segura realização dessa poesia que, ramificando-se e estendendo-se, virá a enriquecer e fertilizar a linguagem poética do Brasil. (Jornal do Brasil, 29/06/1958, Suplemento Dominical, página 11. Reproduzido na obra "De Anchieta aos Concretos", São Paulo, Companhia das Letras, 2003, organizada por Maria Eugenia Boaventura, doutora em literatura brasileira e professora da UNICAMP. )