Diante dos ataques do ceticismo, a razão não tem um recurso ulterior. Não pode buscar um fundamento fora dela. Se quiser salvar-se, não terá outro remédio senão buscar sua justificação em seu próprio seio. Eis a tarefa da filosofia. Desde Sócrates, e sobretudo a partir do Renascimento, o exercício do pensamento filosófico é uma iniciativa de salvação para o homem que desmorona. Nele buscam seu alicerce as ciências e o intelecto que as funda. A filosofia é um esforço vigoroso, nunca abandonado, de fundamentação radical. [...] A fenomenologia de Husserl representa o começo de uma nova época do pensamento filosófico.""
Joaquín Xirau
Desde os seus primeiros passos, ainda na Antiguidade, quis a filosofia constituir um pensamento rigoroso, capaz de edificar as teorias mais profundas e disseminar ideias e normas estritamente racionais entre os homens. Mas nunca conseguiu cumprir plenamente tais exigências. Permaneceu, pois, vulnerável ao ataque das diversas formas de ceticismo, que no final do século XIX se multiplicavam e ampliavam sua influência. Os fundamentos da cultura europeia estavam ameaçados: o ceticismo, diz Joaquín Xirau, ""corrói as raízes de qualquer concepção otimista do espírito e da cultura, destrói as bases de todo conhecimento seguro, destitui a ciência ocidental de sua situação privilegiada e singular"".
Ninguém compreendeu isso melhor do que Edmund Husserl (1859-1938). Ninguém se dedicou, como ele, a reconstruir as bases de um pensamento rigoroso. Durante toda a vida esforçou-se para retornar ao sentido originário do pensamento filosófico, abandonando pressupostos antigos, ideologias estabelecidas e aventuras metafísicas.
""Ciência, portanto, previsão; previsão, portanto, ação"", proclamava o positivismo. Cabia à ciência constatar os fatos e formular as leis de seu curso, com a filosofia renunciando a qualquer conhecimento da realidade. Foi nesse ambiente que Husserl lançou seu programa renovador. Seus trabalhos foram decisivos para alterar o lugar da filosofia no século XX. As ciências, ele dizia, são incapazes de interpretar a si mesmas; cabe à filosofia a missão de reconstruir todo o conhecimento e revelar o significado das ciências particulares.
Para encontrar uma filosofia primeira, rigorosa e sem pressupostos Husserl revalorizou uma palavra clássica, de origem grega, então considerada obsoleta: fenômeno, ou seja, o que se mostra, o que se revela, o que se manifesta por si na plenitude de sua irradiação e em virtude de sua presença originária. Os filósofos precisavam ""retornar às coisas"" e se ater a elas, manter a vista clara e o olhar vigilante, ver as coisas onde elas estão, destacá-las na plenitude de sua aparência.
Foi o princípio da fenomenologia, o movimento filosófico mais importante do século XX, que se propôs a resolver o antigo problema fundamental: como é possível alcançar um conhecimento objetivo? Em outras palavras, como é possível que o sujeito compreenda, com certeza e evidência, uma realidade que lhe é exterior e cuja existência é heterogênea à sua?
Foi a esse problema, em suas múltiplas dimensões, que Husserl dedicou a vida. ""A filosofia não pode descansar até ter atingido começos absolutamente claros, ou seja, problemas absolutamente claros, e até ter adquirido os métodos adequados para tratar esses problemas [...]. O maior passo que nossa época tem de dar é reconhecer que, com a intuição filosófica em seu sentido autêntico, ou seja, com a captação fenomenológica da essência, abre-se um infinito campo de trabalho e apresenta-se uma ciência que, sem os métodos indiretos de simbolização e matematização, sem o aparato de provas e conclusões, adquire, mesmo assim, uma quantidade de conhecimentos extremamente rigorosos, que são decisivos para toda filosofia posterior.""
Cé